E porque é
de Carnaval esta terça-feira, cá vai mais um ano uma crónica sobre o assunto. Afinal,
estas festividades cíclicas também são uma forma de irmos contando os anos que
passam. E este é já o quarto em que o Entrudo me entra pela escrita. Como o país do Carnaval é o Brasil,
desta vez o estrangeirismo soa ao português que é: o fungagá, substantivo que
designa, em português de cá e de lá, uma orquestra desafinada.
O mais
conhecido fungagá português, dos anos 70 do século passado, é o da “Bicharada”,
título de música infantil e disco de enorme sucesso, assinado e interpretado
pelo Barata Moura – que se tornou num tão respeitável professor catedrático
como foi como sucesso do mundo artístico e até chegou a Reitor da Universidade
de Lisboa, onde esteve entre 1998 e 2006. O seu “Fungagá da Bicharada” fala
precisamente de uma grandessíssima misturada de vozes e comportamentos algo
caóticos dos chamados animais da quinta. Curiosamente, e se calhar não por
acaso, é também uma peça musical clássica com animais a mais famosa do
Carnaval: o Carnaval des Animaux, uma
composição para dois pianos e orquestra do francês Camille Saint-Saëns, criada,
pois claro, em Fevereiro de 1886, quando o compositor passava férias na
Áustria. Parece que Saint-Saëns não terá permitido que a obra fosse publicada
em vida, com receio que ela arruinasse a sua reputação de "compositor
sério". Apenas o “andamento” d’ O
Cisne, por ter um caráter mais sério, foi publicado durante a sua vida.
Ironia do destino, entre os melómanos mais leigos, e tendo uma obra bastante
vasta, esta é talvez a sua peça mais famosa.
O período do
Carnaval, que é sobretudo festejado pelas crianças e muitas vezes permitindo-se
comportamentos infantis nos adultos, é caracterizado pela inversão das normas
aceites pela sociedade, sendo que alguns comportamentos são tolerados só mesmo porque
se assumem nesta época festiva. É desta forma que um fungagá é muito aceitável
no Carnaval, pois aquilo a que se chamam a si próprios os elementos que fazem
parte de uma orquestra – ou, esticando o campo de aplicação do léxico, qualquer
tipo de organização que mereça este nome –, poderá com o beneplácito de quem
delas ou nelas viva permitir alguma bagunça durantes cinco dias. Um bom
Carnaval, no fundo, deveria permitir que a seriedade se mantivesse e fosse a
característica predominante no resto do ano.
É por isso
sempre com uma grande expetativa que vejo os que festejam como festa rija o
Carnaval, com gosto e não como obrigação. E fico assim à espera que, no resto
do ano, sejam precisamente o inverso do que são nestes tempos de folia,
desregramento e, porque não, alguma catarse. De que é que falo? Por exemplo,
que as máscaras que usam no Carnaval sirvam para se disfarçarem de outra coisa
que não são e que, depois, se usarem outras máscaras de dia-a-dia, que as há e
é como quem diz se assumirem um determinado papel, não estranhem que provoquem
nos outros as reações que supostamente devem provocar e não outras. É que, se
no Carnaval, o Capuchinho Vermelho pode andar disfarçado de Lobo Mau, no resto
do ano o que espera que funcione é mesmo a máxima de que «quem não quer ser
lobo não lhe vista a pele». Se a tradição de que gosto, e que é aquela cheia de
dinâmica civilizacional a marcar o ritmo e a adaptar-se aos tempos, ainda fosse
o que era, seria assim que, tranquilamente, tudo funcionaria, em princípio e
melhor.