Confesso que
este frio que se abateu sobre o Natal, e sobretudo na Passagem de Ano, me fez
procurar estrangeirismos relacionados com esta sensação que nos traz a uns
encolhidos, a outros recolhidos. Depois, como se jogasse ao “Stop” e numa
associação de ideias, lembrei-me da palavra iceberg.
Apenas 10%
destas montanhas de gelo, que é a tradução literal da palavra que designa
precisamente esse fenómeno de gelo flutuante no mar, fica visível na superfície.
Os restantes 90% do seu volume estão dentro de água e é isso que faz deles um
grande perigo para a navegação marítima. Por causa dessa característica
dos icebergs é que surgiu a expressão que diz que "isto é apenas a ponta do iceberg",
expressão que significa que determinado acontecimento ou assunto é apenas o
começo, ou uma pequena parte, de um problema ou situação muito maior e
complexa. Tudo normalmente conotado com coisas más e raramente surpresas
agradáveis.
Curioso é
que também na cultura organizacional se utiliza o conceito de iceberg
para explicar a constituição de uma companhia ou empresa. Fazendo uma analogia
com o iceberg, a menor parte do bloco de gelo que fica visível sobre
a linha da água representa os resultados de uma empresa e que são apresentados
publicamente. Já a maior parte, sob a linha de água, simboliza a estrutura e
organização responsável pelos resultados da "superfície do iceberg".
Esta parte representa todos os setores "invisíveis" de uma empresa. Quem
fala de empresas, fala da vida de instituições a que, ou estamos efetivamente
ligados, ou acabamos por muitas vezes conhecê-las apenas por essa parte menor
e, no entanto, a única visível. E como é fácil que nos convençam, e até nos
iludam, de que o que se vê na ponta do iceberg
é que é aquilo sobre o que devemos tomar posição e formar uma opinião! Como se
o que realmente importasse permanecesse secreto ou escondido do comum dos
mortais e só acessível a iniciados…
O país
democrático que conhecemos há 40 anos tem-nos permitido, talvez mais a sensação
do que efetivamente, irmos conhecendo mais sobre determinados processos e sobre
o funcionamento de certas instituições que determinam a nossa vida pública, mas
até em alguns casos a privada. No entanto, nem sempre os cidadãos comuns fomos
suficientemente aliciados a saber mais, ou acabámos por nos desinteressar face
à complexidade do que “está abaixo da linha de água”. Limitamo-nos, muitas
vezes, a apenas avaliarmos os restantes 90% de um assunto pelos 10% que
queremos, ou nos deixam, ver. Uma espécie de confiança que ao invés de se
tornar cega, como apesar do adjetivo euforicamente poderia acontecer, fica nas
mãos dos que fazem desses 10% aquilo que lhes importa dar a conhecer. Daí,
talvez, a crise de confiança que está definitivamente diagnosticada nos
cidadãos.
A crise de
confiança que dá jeito aos que, arautos da desgraça e paladinos de amanhãs que
cantam, vão angariando hordas inconformadas mas cooperantes com o dizer mal não
apenas e só porque se sentem mal, mas porque desconhecem o que se poderá fazer
e como participar para que passe a correr menos mal, porque sim, poderemos
fazê-lo. A crise de confiança que só se atenuará se os cidadãos aprenderem a
“mergulhar” nos assuntos, informados, conhecendo o porquê de ter de lidar com
essas “montanhas de gelo” que ameaçam a suposta tranquila navegação de uma
sociedade num rumo que se deseje sempre de progresso.