6.1.15

Iceberg

Confesso que este frio que se abateu sobre o Natal, e sobretudo na Passagem de Ano, me fez procurar estrangeirismos relacionados com esta sensação que nos traz a uns encolhidos, a outros recolhidos. Depois, como se jogasse ao “Stop” e numa associação de ideias, lembrei-me da palavra iceberg.
Apenas 10% destas montanhas de gelo, que é a tradução literal da palavra que designa precisamente esse fenómeno de gelo flutuante no mar, fica visível na superfície. Os restantes 90% do seu volume estão dentro de água e é isso que faz deles um grande perigo para a navegação marítima. Por causa dessa característica dos icebergs é que surgiu a expressão que diz que "isto é apenas a ponta do iceberg", expressão que significa que determinado acontecimento ou assunto é apenas o começo, ou uma pequena parte, de um problema ou situação muito maior e complexa. Tudo normalmente conotado com coisas más e raramente surpresas agradáveis.
Curioso é que também na cultura organizacional se utiliza o conceito de iceberg  para explicar a constituição de uma companhia ou empresa. Fazendo uma analogia com o iceberg, a menor parte do bloco de gelo que fica visível sobre a linha da água representa os resultados de uma empresa e que são apresentados publicamente. Já a maior parte, sob a linha de água, simboliza a estrutura e organização responsável pelos resultados da "superfície do iceberg". Esta parte representa todos os setores "invisíveis" de uma empresa. Quem fala de empresas, fala da vida de instituições a que, ou estamos efetivamente ligados, ou acabamos por muitas vezes conhecê-las apenas por essa parte menor e, no entanto, a única visível. E como é fácil que nos convençam, e até nos iludam, de que o que se vê na ponta do iceberg é que é aquilo sobre o que devemos tomar posição e formar uma opinião! Como se o que realmente importasse permanecesse secreto ou escondido do comum dos mortais e só acessível a iniciados…
O país democrático que conhecemos há 40 anos tem-nos permitido, talvez mais a sensação do que efetivamente, irmos conhecendo mais sobre determinados processos e sobre o funcionamento de certas instituições que determinam a nossa vida pública, mas até em alguns casos a privada. No entanto, nem sempre os cidadãos comuns fomos suficientemente aliciados a saber mais, ou acabámos por nos desinteressar face à complexidade do que “está abaixo da linha de água”. Limitamo-nos, muitas vezes, a apenas avaliarmos os restantes 90% de um assunto pelos 10% que queremos, ou nos deixam, ver. Uma espécie de confiança que ao invés de se tornar cega, como apesar do adjetivo euforicamente poderia acontecer, fica nas mãos dos que fazem desses 10% aquilo que lhes importa dar a conhecer. Daí, talvez, a crise de confiança que está definitivamente diagnosticada nos cidadãos.   

A crise de confiança que dá jeito aos que, arautos da desgraça e paladinos de amanhãs que cantam, vão angariando hordas inconformadas mas cooperantes com o dizer mal não apenas e só porque se sentem mal, mas porque desconhecem o que se poderá fazer e como participar para que passe a correr menos mal, porque sim, poderemos fazê-lo. A crise de confiança que só se atenuará se os cidadãos aprenderem a “mergulhar” nos assuntos, informados, conhecendo o porquê de ter de lidar com essas “montanhas de gelo” que ameaçam a suposta tranquila navegação de uma sociedade num rumo que se deseje sempre de progresso.