16.12.14

Quid pro quo

Portugal está, de alto a baixo, definitivamente com problemas de protagonismo que se revelam, escancaradamente, em frente às câmaras. De alto a baixo não em termos geográficos, mas em termos sociais, pese embora esta hierarquização seja, na minha gramática pessoal, instrumental, já que acima do ser humano não há socialmente mais ninguém. (Por vezes, é certo, a hierarquização serve também de desculpabilização e não, como devia ser, para discricionar responsabilidades que, cada um nas suas funções deve assumir.) Mas digo de alto a baixo para reconhecer que este problema atinge massas – como as que em vez de irem ver o Templo ou os Cromeleques preferem a selfie à porta da prisão – e elites - como as audições que decorreram na Assembleia da República a que assistimos na semana passada a propósito do caso BES.
Acendam-se as luzes das câmaras e grite-se “ação!” ou “a gravar!” para que se esqueça muitas vezes o decoro. E importa-me mais do que qualquer outro, com muitas cedências e apesar de tudo para não me sentir desajustada da época em que vivo, o decoro que há que ter no respeito pelas instituições, das quais a justiça e o sistema político democrático são aqui denominador comum, já que falamos de fraudes e de direito à defesa e presunção de inocência até à sentença final.
Quid pro quo é a expressão latina que escolhi, "quiprocó" a forma aportuguesada do termo. O bom e velho latim a servir para chamar as coisas pelos nomes mas suficientemente elitista para, precisa e conscientemente, espelhar a minha imensa preocupação em que os cidadãos o sejam na plenitude dos seus direitos para exercerem conscientemente os seus deveres. É que há pedagogos do espaço público, os “fazedores de opinião”, traduzindo a expressão originalmente anglófona, e deveriam ser cada vez mais aqueles que se empenhem em mediar o que se passa no espaço mediático e que é espetáculo mesmo com a seriedade dos assuntos em causa, e o cidadão comum. Quid pro quo pode significar e traduzir-se de forma mais ou menos coloquial por "isso por aquilo" ou "uma coisa por outra". Em português e noutras línguas latinas designa, sobretudo, uma confusão ou engano, mas o seu significado nos países anglo-saxónicos evoluiu num sentido diferente, que se espalhou neste mundo globalizado, e é uma expressão usada agora como significando uma troca de bens ou serviços, muitas vezes usada como designando uma troca de "favores". "Quid pro quo. I tell you things, you tell me things. Not about this case, though. About yourself. Quid pro quo. Yes or no? "dizia o arguto assassino Hannibal Lecter à frágil detetive Clarisse em O Silêncio dos Inocentes
Ora bem, na audição de longa-metragem a que assistimos na semana passada entre representantes democraticamente eleitos por nós cidadãos votantes e um indivíduo pertencente a uma elevada elite portuguesa, e que é tão “constituído arguido” como outros que “já lá estão” (eufemismo aqui de cárcere e não de outro-mundo) a propósito de uma matéria complicada de entender, sobretudo para quem está longe do mundo dos negócios do dinheiro, houve algo parecido com uma situação de quid pro quo. Isto porque, no meu entender, foi dada por alguém – os que devem zelar pela transparência do exercício dos poderes políticos, e não sei com que interesse, a outro alguém - que tem um processo por esclarecer na justiça, a oportunidade que, por não estar sob juramento, pôde aproveitar com uma argúcia evidente para se defender usando todos os meios ao seu alcance, dos quais não sabemos se a mentira não será um deles.
Eu sei que a situação deste tipo de inquérito parlamentar está legalmente prevista. Também me parece que o caso é politicamente relevante, pois em causa está o dinheiro de cidadãos portugueses e até relações entre países com acordos entre si. Mas esta mediatização com intervenientes em direto está a permitir que, quem só oiça estes intervenientes, faça um julgamento quase legitimado antes do julgamento nos tribunais. Como aliás se poderá dizer das próprias tentativas mais discretas de intervenção feitas por outros, a quem não é dada voz, com cartas dirigidas a órgãos de comunicação social. Mas convenhamos que não é bem a mesma coisa e que o pessoal dos negócios, mesmo que a pedido de políticos, parece estar a merecer muito mais do que o pessoal da política.