Portugal está, de alto a baixo,
definitivamente com problemas de protagonismo que se revelam, escancaradamente,
em frente às câmaras. De alto a baixo não em termos geográficos, mas em termos
sociais, pese embora esta hierarquização seja, na minha gramática pessoal,
instrumental, já que acima do ser humano não há socialmente mais ninguém. (Por
vezes, é certo, a hierarquização serve também de desculpabilização e não, como
devia ser, para discricionar responsabilidades que, cada um nas suas funções
deve assumir.) Mas digo de alto a baixo para reconhecer que este problema
atinge massas – como as que em vez de irem ver o Templo ou os Cromeleques
preferem a selfie à porta da prisão –
e elites - como as audições que decorreram na Assembleia da República a que
assistimos na semana passada a propósito do caso BES.
Acendam-se as luzes das câmaras e
grite-se “ação!” ou “a gravar!” para que se esqueça muitas vezes o decoro. E
importa-me mais do que qualquer outro, com muitas cedências e apesar de tudo
para não me sentir desajustada da época em que vivo, o decoro que há que ter no
respeito pelas instituições, das quais a justiça e o sistema político
democrático são aqui denominador comum, já que falamos de fraudes e de direito
à defesa e presunção de inocência até à sentença final.
Quid pro quo é a expressão latina que escolhi, "quiprocó"
a forma aportuguesada do termo. O bom e velho latim a servir para chamar as
coisas pelos nomes mas suficientemente elitista para, precisa e conscientemente,
espelhar a minha imensa preocupação em que os cidadãos o sejam na plenitude dos
seus direitos para exercerem conscientemente os seus deveres. É que há pedagogos
do espaço público, os “fazedores de opinião”, traduzindo a expressão originalmente
anglófona, e deveriam ser cada vez mais aqueles que se empenhem em mediar o que
se passa no espaço mediático e que é espetáculo mesmo com a seriedade dos
assuntos em causa, e o cidadão comum. Quid
pro quo pode significar e traduzir-se de forma mais ou menos coloquial por
"isso por aquilo" ou "uma coisa por outra". Em português e
noutras línguas latinas designa, sobretudo, uma confusão ou engano, mas o seu
significado nos países anglo-saxónicos evoluiu num sentido diferente, que se
espalhou neste mundo globalizado, e é uma expressão usada agora como
significando uma troca de bens ou serviços, muitas vezes usada como designando
uma troca de "favores". "Quid
pro quo. I tell you things, you tell me things. Not about this case, though. About
yourself. Quid pro quo. Yes or no? "dizia o arguto assassino
Hannibal Lecter à frágil detetive Clarisse em O Silêncio dos Inocentes…
Ora bem, na audição de
longa-metragem a que assistimos na semana passada entre representantes
democraticamente eleitos por nós cidadãos votantes e um indivíduo pertencente a
uma elevada elite portuguesa, e que é tão “constituído arguido” como outros que
“já lá estão” (eufemismo aqui de cárcere e não de outro-mundo) a propósito de
uma matéria complicada de entender, sobretudo para quem está longe do mundo dos
negócios do dinheiro, houve algo parecido com uma situação de quid pro quo. Isto porque, no meu
entender, foi dada por alguém – os que devem zelar pela transparência do
exercício dos poderes políticos, e não sei com que interesse, a outro alguém -
que tem um processo por esclarecer na justiça, a oportunidade que, por não
estar sob juramento, pôde aproveitar com uma argúcia evidente para se defender
usando todos os meios ao seu alcance, dos quais não sabemos se a mentira não
será um deles.
Eu sei que a situação deste tipo
de inquérito parlamentar está legalmente prevista. Também me parece que o caso
é politicamente relevante, pois em causa está o dinheiro de cidadãos
portugueses e até relações entre países com acordos entre si. Mas esta
mediatização com intervenientes em direto está a permitir que, quem só oiça
estes intervenientes, faça um julgamento quase legitimado antes do julgamento
nos tribunais. Como aliás se poderá dizer das próprias tentativas mais
discretas de intervenção feitas por outros, a quem não é dada voz, com cartas
dirigidas a órgãos de comunicação social. Mas convenhamos que não é bem a mesma
coisa e que o pessoal dos negócios, mesmo que a pedido de políticos, parece
estar a merecer muito mais do que o pessoal da política.