Hoje apeteceu-me o latim. Eu sei, eu sei que isto é coisa lida e escrita
por uma infinitesimal parcela da
população mundial, nas universidades e nos seminários, de que ainda ouvimos por
vezes ecos nas barras dos tribunais. Mas isto também não quer dizer que a
cronista, uma quase leiga nesta matéria, possa pensar que as e os ouvintes ou
leitores da Diana FM se assustem com este ressuscitar do latim. (Se chegaram
até aqui…) Uma língua de que os latinistas não aceitam, lá com as fortes razões
que lhes assistem, a morte. E descambar assim a pena, que é como quem diz a
tecla, para o latim não deixa de ser uma homenagem a estes estudiosos de uma
língua tão imperial. A palavra escolhida, e o conceito que se lhe aplica, foi auctoritas.
Este
termo não é traduzível e a portuguesa "autoridade" é apenas uma parte
do significado da palavra latina. Da auctoritas
também se trata, por exemplo, na literatura para se falar de textos muito
antigos em que procurar-lhes a autoria não é questão de encontrar o indivíduo
que teria feito o texto, mas os modelos que imitava, digamos assim, e que
assumiam desta forma, enquanto auctoritas,
a paternidade textual, sendo por isso aceites como seguindo uma regra validada.
A
palavra auctoritas deriva, aliás, de auctor, que não o que é construtor mas
antes o que inspirou a obra. Na base está um verbo que significa aumentar,
desenvolver, fazer crescer, tornar mais forte alguém ou alguma coisa, pelo que
a auctoritas, no seu sentido
etimológico, tem a ver com exemplaridade, modelo, prestígio ou conselho. Auctor é assim o que promove com o seu
exemplo e conselho o bem de uma coisa. Tão diferente da sua banalização
traduzida em autoridade e que se mistura obviamente com poder. E que, além do
mais, é treslida quer por tantos que a exercem abusivamente, quer por outros
tantos que a julgam preconceituosamente quando bem exercida!
E é,
por isso, que uma semana passada sobre o aniversário de Hannah Arendt, uma
filósofa política que muito fez avançar sobre os conceitos de totalitarismo,
relembro hoje definições de autoridade que aparecem em qualquer enciclopédia e
que recolocam o termo no seu lugar, para que a ação corresponda à palavra: a
autoridade é uma capacidade de influenciar os outros graças a uma certa superioridade
por estes reconhecida; é o direito de dar uma ordem, de tal maneira que o
comando seja obedecido sem que seja questionado tal direito; é o poder que é
aceite, respeitado, reconhecido e legitimado.
No direito romano, e para
regressar ao latim, é definida por auctoritas
uma certa legitimação socialmente reconhecida, que procede de um saber e que se
outorga a alguns cidadãos. Exerce a auctoritas
uma personalidade, ou instituição, que tem capacidade moral para emitir uma
opinião qualificada sobre uma decisão. E se bem que tal decisão não seja
vinculativa legalmente, nem possa ser imposta, tem um valor de índole moral
muito forte. Parece mais difícil do que apenas dizer «quem manda aqui sou eu!».