10.2.13

RETRATAR

O retrato escondido da Rainha Isabel II, em que a monarca aparecia com um pescoço esquisito, é o tema desta minha crónica de hoje. Tema que veio a reboque na imprensa britânica por causa de outro retrato, o de Kate Middleton, a mais recente “estrela” da monarquia britânica. A imagem é sem dúvida um assunto a que o poder, ou candidatos a ele, dão muita importância, mesmo quando, no caso da monarquia, não há muito por onde escolher e o retrato não é seguramente um fator determinante na lógica de sucessão. E ainda assim, conta. O aspeto físico que o retoque da pintura, como o trabalho de Photoshop, recompõe o modelo deve corresponder a visões que se assemelharão muito, julgo eu, às orientações de agências de comunicação e publicidade. E se, no passado, os retratos da realeza serviam até para melhor contratualizar casamentos, então é porque de facto a imagem servia, e continua a servir, para cativar.

Toda esta conversa pode parecer muito estranha em tempos de crise, todo o assunto muito típico de uma velha Europa muito pronta a defender tradições de uma forma que, ao invés de se adaptar aos tempos e portanto ceder ao lado dinâmico da vivência humana cultural, se enquista em práticas anacrónicas em nome da defesa da tradição. (E estamos até a ver, desde a última intervenção urbi et orbi do Primeiro-ministro britânico, o quão especiais podem ser os da ilha em relação ao resto da tal velha Europa.)

Não sei de causas, nem efeitos, nem abrangências pelas “tribos” deste mundo afora, das diversas tendências neste tipo de comportamentos, até por não ter formação em antropologia que me permita falar com propriedade sobre o assunto. Mas observo o mundo à minha volta, recebo este tipo de notícias e contacto com gente tão diferente que, com alguma segurança, me permito afirmar que a imagem conta para todos. Mesmo para aqueles que aparentemente, e dentro de condições ditas normais de espírito, se mostram muito displicentes em questões como essa das aparências. Este assunto dos retratos não tem até nada a ver com a vaidade dos retratados. Há por aí muito “peru” ou “pavão” que nunca foi modelo de nenhuma natureza morta ou paisagem campestre…

O que a história do retrato da rainha me suscita é a reflexão sobre o empenho que toda uma corte tem em cuidar dessa imagem, como se a partir dela e desse cuidado se evitassem todas as críticas às imperfeições que os comportamentos possam vir a ter. Cuidar da imagem através de um retrato é como revelar, no sentido bíblico, a personagem retratada. É lançar um véu sobre as imperfeições para que se mostre apenas o seu melhor lado. E se isso não faz história por ser tão banal, o seu inverso é motivo de notícia e fait divers, que por vezes perdura nas estórias à volta da História com maiúscula.

O que também é interessante nesta historieta de rainhas e princesas e retratos é como a arte, apesar de estar por vezes, muitas vezes, ao serviço do poder, também precisar do tempo para se assumir nos seus arroubos inovadores. Se o retrato da velha rainha enquanto nova parecia esquisito à época em que foi pintado, passados todos os movimentos artísticos mais ou menos arrojados, e perante um inovador retrato da jovem princesa deste tempo que faz notícia também, aparece agora ao Povo como uma dádiva da casa real inglesa em prol do rigor sobre a sua própria história.

Não imaginam os meus caros ouvintes como estou contente por não ter deste tipo de folclore, e uso a palavra no seu sentido de prática tradicional, numa República em que, mesmo com gente até muito compostinha, não se apressam a medir os governantes, ou se preocupam os humildes plebeus em medi-los, em função do retrato físico. Parece-me a mim…