4.4.12

De livro fechado, não sai letrado

Dia 2 foi o dia internacional do livro infantil, o aniversário de Andersen. Os livros fazem parte da vida dos miúdos que, cada vez mais cedo, frequentam estabelecimentos de ensino pré-escolar. E o gosto pelos livros é generalizadamente promovido pela escola e pelos educadores e é na infância que ele é, normalmente, um gosto sincero; quando a prática da leitura, mesmo quando ainda é só a do folhear sem ler, é frequente. Depois o Mundo abre-se ao indivíduo e muitas mais tentações o desviam do livro, sem que no entanto não tenha ficado na memória de leitor, como na de ouvidor de histórias, por vezes frases ou mesmo histórias inteiras que o acompanham para o resto da vida. É por isso que neste dia, todos os anos desde há muito, uma das organizações internacionais que se ocupa da promoção do livro e da leitura infanto-juvenil (o IBBY – International Board on Books for Young people) pede a um autor que a este propósito escreva um texto que se transforma na mensagem do dia internacional desse ano, e a um ilustrador que cria assim o cartaz comemorativo. Por isso é que hoje vos trago o texto que se segue, escrito por Fernando Hinojosa, autor mexicano de livros infantis. O título do texto é «Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro» e diz assim: «Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro. Na verdade não era só um, mas muitos os contos que enchiam o mundo com as suas histórias de meninas desobedientes e lobos sedutores, de sapatinhos de cristal e príncipes apaixonados, de gatos astutos e soldadinhos de chumbo, de gigantes bonacheirões e fábricas de chocolate. Encheram o mundo de palavras, de inteligência, de imagens, de personagens extraordinárias. Permitiram risos, encantos e convívios. Carregaram-no de significado. E desde então os contos continuam a multiplicar-se para nos dizerem mil e uma vezes: “Era uma vez um conto que contava o mundo inteiro…” Quando lemos, contamos ou ouvimos contos, cultivamos a imaginação, como se fosse necessário dar-lhe treino para a mantermos em forma. Um dia, sem que o saibamos certamente, uma dessas histórias entrará na nossa vida para arranjar soluções originais para os obstáculos que se nos coloquem no caminho. Quando lemos, contamos ou ouvimos contos em voz alta, estamos a repetir um ritual muito antigo que cumpriu um papel fundamental na história da civilização: construir uma comunidade. À volta dos contos reuniram-se as culturas, as épocas e as gerações, para nos dizerem que japoneses, alemães e mexicanos são um só; como um só são os que viveram no século XVII e nós mesmos, que lemos um conto na Internet; e os avós, os pais e os filhos. Os contos chegam iguais aos seres humanos, apesar das nossas grandes diferenças, porque no fundo todos somos os seus protagonistas. Ao contrário dos organismos vivos, que nascem, reproduzem-se e morrem, os contos são fecundos e imortais, em especial os da tradição oral, que se adequam às circunstâncias e ao contexto do momento em que são contados ou rescritos. E são contos que nos tornam seus autores quando os recontamos ou ouvimos. E também era uma vez um país cheio de mitos, contos e lendas que viajaram durante séculos, de boca em boca, para mostrar a sua ideia de criação, para narrar a sua história, para oferecer a sua riqueza cultural, para aguçar a curiosidade e levar sorrisos aos lábios. Era igualmente um país onde poucos habitantes tinham acesso aos livros. Mas isso é uma história que já começou a mudar. Hoje os contos estão a chegar cada vez mais aos lugares distantes do meu país, o México. E, ao encontrarem os seus leitores, estão a cumprir o seu papel de criar comunidades, de criar famílias e de criar indivíduos com maior possibilidade de serem felizes.» (Francisco Hinojosa; tradução Maria Carlos Loureiro).