6.3.12

E pur si muove…


Vou hoje fazer um parêntesis no que tem sido o rumo das minhas crónicas e não vos vou trazer um provérbio em particular. Vou também ser imodesta, porque apesar de a modéstia ser uma virtude, quando é falsa essa virtude deixa de o ser. E vou ser imodesta relativamente ao prémio que a Sociedade Portuguesa de Autores atribuiu à programação cultural da autarquia de Évora e imodesta na apreciação de algumas reações à atribuição desse prémio. Mas antes quero dizer que este prémio é dos eborenses, porque sendo a autarquia o autor premiado, sem o público que são os munícipes, os cidadãos de Évora, o autor não existiria. E quero agradecer, agora, àqueles muitos que já receberam esse prémio e nos vieram dar os parabéns por ele.

A primeira reação à notícia do prémio para alguns foi de espanto. Como? Porquê? Então Évora está a ser premiada por programação cultural quando há tanta gente que diz que não se passa nada? Então a Câmara está a receber um prémio de cultura quando há agentes culturais que estão ainda à espera que se lhes paguem compromissos de 2009? Então alguns artistas e gente que se diz da cultura fazem manifestações de protesto à porta da Câmara e mesmo assim a Câmara recebe um prémio em que há seguramente artistas envolvidos? Para outros foi de contentamento. Aqui está Évora a mostrar a sua importância ao resto do País! Ora ainda bem que, no meio de tanto desalento, há uma boa notícia! Olha que sermos premiados mesmo com tudo do que nos queixamos é porque há um grande esforço para continuarmos a fazer coisas, e bem. Tão bem, que até fomos premiados!

A candidatura a este prémio, porque há uma candidatura e não basta existirmos e ficarmos à espera que nos venham dar prémios, ainda era desconhecida do público quando foi feita a atribuição do prémio. Disponibilizei-a, enquanto autora do documento, aos vereadores da oposição, que não ma solicitaram, nem emitiram no imediato qualquer apreciação. O normal quando alguém ganha alguma coisa é, no mínimo, dar-lhe os parabéns. Até acontece entre adversários com chamado “fairplay” e quando concorrem para o mesmo prémio. Mas pelos vistos aqui nós concorriamos para que Évora ganhasse um prémio e outros parece que não viram nisso um objetivo interessante. Paciência! Cada um terá os seus motivos. Nós fizemo-lo para Évora, é esse o nosso trabalho enquanto eleitos pelos eborenses.

Sem por isso terem apreciado a candidatura, e que sobre ela pudessem emitir opinião, o que resta? Ou se fica contente por ser uma coisa boa que acontece a alguém – um concelho e quem também tem responsabilidades na sua gestão – ou se fica descontente, seja porque não se acha que é uma coisa boa ou porque não se quer que isso aconteça a esse alguém. Foi assim que interpretei as reações negativas ao prémio, sobretudo aquela que mais me chocou, e que foi o voto contra uma moção de congratulação pelo facto por parte dos deputados comunistas e bloquista, e a abstenção dos deputados do PSD da Assembleia Municipal do premiado Município de Évora.

Houve também quem tivesse achado graça ao prémio, considerando-o uma piada ou fazendo à volta dele piadas, algumas bem engraçadas, diga-se. Talvez até tivessem ganho, se concorressem com candidatura, a um concurso de piadas sobre coisas que correram bem mas de que eles não gostam, e não porque fossem coisas que prejudicassem alguém. Esse é sempre o tipo de sorriso que relaciono ou com a loucura, ou com a tristeza profunda, como a do palhaço pobre que tem pintado na cara um enorme sorriso, mesmo quando a infelicidade lhe passeia na alma. E depois há o sorriso da inveja, da raiva e do ferruncho, mas isso também é um bocadinho louco quando sai da esfera do íntimo e chega à praça pública.

Eu sei que a vida está difícil para muitos, infelizmente cada vez mais. Eu sei que muitos são artistas que trabalham na área da cultura e a quem este tipo de prémio nesta mesma área não traz a comida para o prato na refeição seguinte, mas sei que um reconhecimento nacional poderá sempre atrair para o lugar onde vivem, outros e mais olhares, talvez mais abonados, e que mais tarde possam investir aqui também nesta área. E por muitas responsabilidades nas dificuldades de pagamento que a autarquia, que também dirijo, tem com esses artistas, e com muitos mais outros que não o são, todo o nosso trabalho, inclusive o da candidatura ao prémio, vai no sentido de nesta área da cultura, como nas outras em que trabalhamos, ir encontrando caminhos para que, pensando nas pessoas deste concelho de Évora, permitamos que outros, que também contribuem para o bem-estar dessas pessoas, possam prosseguir o seu trabalho. Não tem sido fácil. Nem para nós nem para os outros. Todos os outros, porque em muitas coisas na vida de um governante ele também é outro: contribuinte, consumidor, com terceiros a cargo.

O que reunimos para a candidatura, e que está disponível a todos os que acederem à página web da Câmara Municipal de Évora, foi fruto do trabalho que diria quase corrente da autarquia durante o ano de 2011 no âmbito da programação de iniciativas culturais que nasceram dentro dos serviços ou foram propostas por outras entidades, e com quem o município se comprometeu em organização conjunta. O trabalho não foi a soma de todas as programações de todos aqueles que constroem o seu próprio programa cultural. Não era esse o objeto da candidatura. E se o tivéssemos feito teria sido injusto, e logo eu seria chamada à atenção por isso mesmo, pois reclamaria para mim e para os serviços que envolvi na nossa programação os louros de outros.

Mas estou muito contente por podermos dar a todas e todos os eborenses este prémio e sei que muitos também ficaram. Chovessem moedas de ouro e ainda ficávamos mais, embora soubéssemos que alguns, talvez mais altos, talvez mais novos, talvez mais fortes, lhe chegassem mais depressa e ficassem com muito, ficando as migalhas para outros. Se calhar, é por isso que o dinheiro não cai do céu…