Quando sabemos de alguém que morre velhinho, sem sofrimento,
apagando-se como uma vela que arde até ao fim, achamos que é uma boa morte.
Também há lugares que se chamam da Boa Morte, o que seria equivalente a
chamarem-se da Eutanásia, já que etimologicamente é o que a palavra que mais se
ouviu e ouvirá por estes dias significa.
Morrer é sempre mau, sobretudo para quem gosta de viver, mas
é o prognóstico infalível para quem corre o risco de ter nascido. Nasce-se por
vontade de outros, quando até temos sorte e somos desejados, o que não acontece
a todos; o ideal seria podermos escolher como morrer. E ter a coragem ou a
loucura - não há exclusividade de perspectivas - de ter essa decisão na mão, se
o caso for uma questão de forma de vida. O que também não rejeito,
especialmente se os danos colaterais do acto suicida forem mínimos. Morrer às
próprias mãos, dir-se-ia. Eis também a questão ética que a lei da eutanásia
levanta, como a da criminalização das tentativas de suicídio de má memória.
Se nascer e morrer são condições naturais, as circunstâncias
em que acontecem são condições que dizem respeito à sociedade e respectiva
organização, numa perspectiva de melhorar o bem-estar. A Assembleia da República
faz essas leis e elas são, apesar das opiniões que permitem e que divergem, tão
mais úteis à sociedade em que vigoram, do que as leis sobre o sentido da
Humanidade, como aquela que escreveu o Quinto Mandamento. Sim, que dos outros
Mandamentos as adaptações não parecem ter sido polémicas.
Eutanásia, a boa morte. Como não poder ter-lhe acesso quando
a vida chega à fase terminal com dor e sofrimento? Falo da vida biológica,
desculpem a redundância, não da vida dos prazeres e alegrias breves que, quando
falta, é tratável pela mesma ciência que pode assistir a morte quando não se
quer ficar à espera de uma intervenção divina, ou o que se lhe queira chamar, à
morte natural.
Não entendo a posição da Igreja: para quê um referendo se a
opinião já está feita e a catequese a ensina? Mas essa espécie de provação que
impõe aos seus mais fiéis seguidores é o lado religioso da questão, a que quem
quiser obedecer a lei em discussão continua a permitir. Da perspectiva
jurídica, ninguém é obrigado a matar, nem ninguém é obrigado a escolher morrer.
A ética fica na opção. É mais difícil do que só obedecer? Talvez, para alguns.
Eu cá gosto daquela parte que algumas religiões ensinam e que se chama o
livre-arbítrio. E é por isso que gosto desta lei que, espero, nasça no lugar
próprio onde nascem as leis. Também é por isso que eu voto e quero que o meu
voto seja usado, ali, naquela assembleia. Espero que aqueles em quem eu votei
para me representarem, não me desiludam.