Escrevo
normalmente as minhas crónicas com alguma antecedência. Isso permite-me
sobretudo a assiduidade, mas também evito deixar-me apanhar mais facilmente
pela inevitável espuma dos dias, não deixando no entanto de estar atenta ao que
acontece na hora. Até já tinha uma crónica escrita para hoje vos ler, mas sendo
de assunto que não passará tão cedo da actualidade, guardei-a para outra semana
e resolvi reagir ao que me aconteceu neste último fim-de-semana.
Gosto de
assistir a congressos dos Partidos políticos, seja ao vivo, seja pela televisão
ou pela rádio. Sei que é um gosto estranho. Deverei fazer parte dos talvez 1%
dos eleitores, ou quem sabe menos, que têm esse mesmo gosto. O resto das
pessoas tem mais que fazer e com que se entreter, o que não critico.
Provavelmente falta-lhes tanto a paciência para as discursatas e os comentários
de corredor em directo para os microfones ávidos de notícias frescas num mundo
velho como o da Democracia, como a outros faltará a paciência para as novelas
ou os jogos da bola e respectivos comentadores.
E além da
paciência, talvez falte o hábito (ou já se tenham cansado dele) para tomar
atenção às palavras e ao que elas trazem consigo nos contextos – espaço e
momento – em que são proferidas. As palavras que poderão depois ser comparadas
com as que aconteceram noutros contextos, o que requer algum exercício quer de
atenção, quer de memória. E compará-las sobretudo com os actos, que em Política
são as opções que se tomam, e onde as descoincidências são, estou em crer, um
enorme factor de dissuasão para os que, interessando-se por Política e
cumprindo o seu direito e o seu dever de eleitores, se “marimbam” para as
reuniões magnas das associações que formam, enformam, amparam e seleccionam os
que algum dia governarão ou condicionarão os que governam.
Outro
exercício interessante, que é até nestes tempos facilitado pelos registos
audiovisuais que os meios de comunicação guardam e disponibilizam para quase
todos os que têm facilidade de acesso às tecnologias, é avaliar comportamentos
típicos de elementos dessas organizações nesses contextos diferentes. Dá
trabalho, quando não se têm de memória, o que acontece sobretudo quando se
sentiu na pele o efeito desses comportamentos, pois como sabemos todos, não há
melhor memória do que a das coisas que nos afectam os sentidos e os sentires.
Ora, no
fim-de-semana, voltei então a ter com que me entreter em frente à televisão,
para além da rádio e do computador a que me ligo quotidianamente. E muitas
vezes para ver, ouvir e ler com mais atenção, e não como som de fundo de outros
afazeres, o que naturalmente também acontece. Eis senão quando, começo a ouvir
o discurso de um político na oposição, de nível nacional e europeu, ex, actual
e futuro eleito de um Partido da extrema-direita à portuguesa, em que para além
da forma inflamada com que anunciava o seu futuro nada mais disse que,
espremido, não fossem chavões. Isto depois de ouvir (e confirmar, lendo o que
foi também escrito) um texto de um político na governação, de nível local, de
um Partido da extrema-esquerda, queixar-se de que a contestação e o seu
espírito, que durante 12 anos andou a ensinar (quase como escolaridade
obrigatória) aos cidadãos, são agora tristes e para esquecer. Tomei uma decisão
para o resto do meu serão: vou mas é ouvir a chuva cair e continuar a ler (acto
que requer também gosto e persistência) “A Estranha Ordem das Coisas” do
António Damásio. Sempre aprendo alguma
coisa de útil e confirmo outras de que já desconfiava.