Não
consigo não falar de Carme Chacón, ex-Ministra espanhola que partiu “entrando
tão depressa por essa noite dentro” um eufemismo que peço emprestado ao poeta.
Não só porque fosse mulher lutadora, e ainda nova, e tivesse deixado um filho
desasado de 9 anos, como acontece a tantas outras menos conhecidas e até menos
amadas ou odiadas do que Carme. Mas também por isso, claro, que é o que nos faz
sentir como próximos daqueles que não conhecemos realmente. As homenagens
prestadas em documentadas intervenções suas a poucos dias de morrer, permitiram-nos
uma espécie de convívio especial. Sobretudo porque a apanharam longe das
câmaras da comunicação social, num circuito de proximidade, esse sim, que são
as aulas e as conferências e onde tantas, mas tantas, vezes a Política pode
ser, assim com maiúscula, exercida.
Se
para a fotografia popular ficou a Carme grávida de sete meses a passar revista
às tropas espanholas no Afeganistão, impondo a sua feminilidade mais exclusiva
perante todos, destas últimas palavras gravadas de que dispusemos como se de uma
conferência de imprensa se tratasse, ficou-me a melhor metáfora para falar
dessa Política maior. Não por ser mulher, não, que isso começa em certos
círculos a ser um discurso contraproducente de tão esvaziado, tentativa de
obstáculo para que se possa avaliar as capacidades para além do género (e por
isso as Marias Capazes são mais do que Marias e também não precisam de ser
Rapazes para serem Capazes!). Parece-me, aliás, este um truque “acaciano”,
referência àquela personagem de Eça n’ O
Primo Basílio, o Conselheiro Acácio, a quem bastava aparecer para fazer
figura, e que a enciclopédia mais popular do mundo até explica muito bem,
falando dele como “representação da convencionalidade e mediocridade dos
políticos e burocratas portugueses dos finais do século XIX, sendo até à
actualidade utilizada para designar a pompa balofa e a postura de pseudo-intelectualidade”.
E não menos mau é a prática e consequente elogio do simplismo como alternativa
a isto... Em suma, o que não falta por aí é quem tome, sem descriminação de
género, Acácio por modelo, gerando-se uma expectável “reacção anti-isto” a quem
tenha dois dedos de testa, já que mais não fazem, esses Acácios, do que muito
falar e pouco dizer, pouco pensar e muito reproduzir.
Carme
proferiu palavras que parecem coincidentes com a sua opção de vida: o
reconhecimento do exercício do poder como algo superior, sem falsas modéstias. Quem
o teve, ao poder, e o exerceu de facto, sabe o quanto o risco da responsabilidade
pode ser viciante, pela possibilidade de melhorar sem deixar os créditos
próprios por mãos alheias, e como a recusa de assumir o poder sem noção da
responsabilidade estar fora de questão, correndo-se até o risco da
impopularidade, de que Carme não esteve isenta.
E
depois Carme escolheu o rumo da sua vida (ainda que curta depois disso, mas
ninguém podia adivinhá-lo e a vida é isso mesmo, afinal), escolhendo o que sacrificar.
Fê-lo até, novamente sem falsas modéstias, alegando a ingratidão dos outros
pelos sacrifícios escolhidos na vida política. E isto leva-me a imaginá-la (só
isso posso fazer) e a julgá-la pelo que terá feito na vida política também
assim, escolhendo o que seria melhor dentro do possível. Não me choca nada e
acho natural que Carme passe a ser uma referência feminista. Mas foi por ter
sido assim, como a imaginei depois de ver aquela gravação caseira, como um Político
que se assume, mais do que por ser mulher e mãe e professora, é que eu não
consigo deixar de falar de Carme Chacón e de imaginar também a falta que vai
fazer aos que aprendiam, a todos os níveis, com ela.