18.4.17

Carme Chacón, metáfora de Político

Não consigo não falar de Carme Chacón, ex-Ministra espanhola que partiu “entrando tão depressa por essa noite dentro” um eufemismo que peço emprestado ao poeta. Não só porque fosse mulher lutadora, e ainda nova, e tivesse deixado um filho desasado de 9 anos, como acontece a tantas outras menos conhecidas e até menos amadas ou odiadas do que Carme. Mas também por isso, claro, que é o que nos faz sentir como próximos daqueles que não conhecemos realmente. As homenagens prestadas em documentadas intervenções suas a poucos dias de morrer, permitiram-nos uma espécie de convívio especial. Sobretudo porque a apanharam longe das câmaras da comunicação social, num circuito de proximidade, esse sim, que são as aulas e as conferências e onde tantas, mas tantas, vezes a Política pode ser, assim com maiúscula, exercida.  
Se para a fotografia popular ficou a Carme grávida de sete meses a passar revista às tropas espanholas no Afeganistão, impondo a sua feminilidade mais exclusiva perante todos, destas últimas palavras gravadas de que dispusemos como se de uma conferência de imprensa se tratasse, ficou-me a melhor metáfora para falar dessa Política maior. Não por ser mulher, não, que isso começa em certos círculos a ser um discurso contraproducente de tão esvaziado, tentativa de obstáculo para que se possa avaliar as capacidades para além do género (e por isso as Marias Capazes são mais do que Marias e também não precisam de ser Rapazes para serem Capazes!). Parece-me, aliás, este um truque “acaciano”, referência àquela personagem de Eça n’ O Primo Basílio, o Conselheiro Acácio, a quem bastava aparecer para fazer figura, e que a enciclopédia mais popular do mundo até explica muito bem, falando dele como “representação da convencionalidade e mediocridade dos políticos e burocratas portugueses dos finais do século XIX, sendo até à actualidade utilizada para designar a pompa balofa e a postura de pseudo-intelectualidade”. E não menos mau é a prática e consequente elogio do simplismo como alternativa a isto... Em suma, o que não falta por aí é quem tome, sem descriminação de género, Acácio por modelo, gerando-se uma expectável “reacção anti-isto” a quem tenha dois dedos de testa, já que mais não fazem, esses Acácios, do que muito falar e pouco dizer, pouco pensar e muito reproduzir.
Carme proferiu palavras que parecem coincidentes com a sua opção de vida: o reconhecimento do exercício do poder como algo superior, sem falsas modéstias. Quem o teve, ao poder, e o exerceu de facto, sabe o quanto o risco da responsabilidade pode ser viciante, pela possibilidade de melhorar sem deixar os créditos próprios por mãos alheias, e como a recusa de assumir o poder sem noção da responsabilidade estar fora de questão, correndo-se até o risco da impopularidade, de que Carme não esteve isenta.
E depois Carme escolheu o rumo da sua vida (ainda que curta depois disso, mas ninguém podia adivinhá-lo e a vida é isso mesmo, afinal), escolhendo o que sacrificar. Fê-lo até, novamente sem falsas modéstias, alegando a ingratidão dos outros pelos sacrifícios escolhidos na vida política. E isto leva-me a imaginá-la (só isso posso fazer) e a julgá-la pelo que terá feito na vida política também assim, escolhendo o que seria melhor dentro do possível. Não me choca nada e acho natural que Carme passe a ser uma referência feminista. Mas foi por ter sido assim, como a imaginei depois de ver aquela gravação caseira, como um Político que se assume, mais do que por ser mulher e mãe e professora, é que eu não consigo deixar de falar de Carme Chacón e de imaginar também a falta que vai fazer aos que aprendiam, a todos os níveis, com ela.