Assistimos na semana passada a várias cenas de televisão
com demolições de um bairro clandestino de barracas no concelho da Amadora.
Houve o caos óbvio, houve os espectadores participantes, houve as vítimas
resignadas, houve as vítimas a choramingar por causa de outros que um dia
poderão ser eles próprios. Houve relatos na primeira pessoa, houve
diz-que-disse. E houve um pequeno coro de deputados da Assembleia da República
que foram carpir aos microfones e câmaras da televisão.
Não é minha intenção subestimar a pobreza que se espelha
nestes exemplos de pessoas que continuam a viver em condições sub-humanas. Não
é minha intenção afirmar que, por magia, se resolvem agora problemas de décadas
sobre a habitação social. Não é minha intenção isolar este problema da
habitação dos outros problemas a ela associados, como o desemprego, a
desestruturação de redes familiares e sociais, os comportamentos de risco, o
descuidar da saúde. Não é minha intenção dizer que não se deva dar a conhecer
aos telespectadores as realidades duras em que vivem sectores da sociedade,
reflectindo uma inesgotável fonte de miséria desde há séculos, e que parecem
ainda mais chocantes quando o caminho do progresso social até tem levado a que
muitos destes ciclos de segregação social se tenha quebrado. Estas vidas são
elas mesmo demolidoras da imagem de uma sociedade tão evoluída em tantas outras
áreas.
Falo de toda uma cultura, como modo de estar, pensar e
agir, que não escolhe sectores da sociedade para um “deixa andar”. Com a
quantidade de associações, ONG, instituições que reúnem enormes esforços
solidários em todos os concelhos e muitas freguesias, falo de uma cultura que
aceita a miséria como uma inevitabilidade, a que a vitimização, própria ou
também ela à sua maneira solidária, nada ajuda e que parece não levar a
recorrer ao que está disponível, numa inércia incompreensível e que nos
desperta sempre a desconfiança da ilegalidade e do crime, tantas vezes
injustamente.
Falo de uma forma de fazer comunicação social que não
procura o suficiente para nos dar a nós espectadores a informação de que se
dizem especialistas. Ao ver aquelas imagens perguntava-me quando teria sido
decidida a demolição, com que medidas adicionais, para além da natural e
louvável acção de erradicar estas barracas a que alguns continuam a chamar
casas, qual teria sido a posição de todos os vereadores sobre este assunto, o
que constaria dos relatórios técnicos que levaram a esta decisão política… Bem
sei que nem todas as Câmaras Municipais fazem rimar as formas de comunicar com
a transparência a que estão obrigadas, mas estes assuntos constam normalmente
de uma agenda pública e são discutidos e decididos em reuniões públicas.
Demolidor da informação cabal, este tipo de tratamento noticioso.
Mas falo também de uma forma de fazer política que leva
deputados da Assembleia da República a ultrapassar os eleitos locais, alguns
até da mesma cor política imagino, protagonizando o dito coro de lamúrias e
lembrando outra espécie de atitude, pertencendo ao tipo dos abutres que ficam à
espera que uns matem, outros esfolem e eles tirem o seu proveito. É o tipo de
maneira de fazer política só ultrapassada, na escala do bem-fazer-ao-mal-comum,
à política do boato, essa sem dar cara nem voz e, só por isso, mais difícil de
desmascarar. Mas que as há, há! E são demolidoras do que é Política a sério.