E Trump lá tomou posse. Com notícias de curiosidades
várias, entre as quais aquelas sobre níveis de popularidade ainda, imagine-se,
avaliados por sondagens. Enfim, as manifestações algo violentas num dia de
festa mostraram a democracia a funcionar, o que com 200 anos, até seria sempre
normal e esperemos que assim continue. Mas sem tentações de recorrer a
alucinogénios que me aliviem do que promete este novo mundo (ouviu-se falar
numa III Guerra Mundial), debrucei-me sobre os significados metafóricos à volta
da palavra “pó”… às tantas por me parecer o diminutivo de pólvora. Sendo assim,
“cheirei” ao de leve o conceito de “pós-verdade”, inspirei as estranhas
convicções demonstradas, e partilhadas com uma imensa quantidade de cidadãos em
todo o Mundo que, tal como Trump, cresceram em Democracia mas só lhes parecem
reconhecer uns “pós” dos princípios que este regime político desenvolve; e, por
último mas não menos importante, o “pó” que meio-mundo sente por outro
meio-mundo, sejam ou não pertencentes a movimentos opostos.
Começo já por este “pó” que tantas vezes usamos para
exprimir os nossos sentimentos relativamente a alguém e dizer, por exemplo,
“Tenho-lhe um pó, que nem sei!”. São desabafos que variam de intensidade nos
discursos apaixonados das redes sociais e das conversas entre amigos reais,
normalmente reveladores de uma alergia ou intolerância relativamente a determinada
pessoa. Tal como não costumo exprimir adorações e loas híper adjectivadas a
figuras de quem só conheço e reconheço, isso sim, as qualidades públicas, não
consigo ter “um pó” ao Trump. Isto ainda que o ache apalhaçado, como tantos
outros que exercem cargos de poder em vários níveis, o que não lhe retira o
reconhecimento de ter conseguido reunir entre os seus compatriotas o necessário
para ser eleito Presidente dos EE.U. Isto diz-me é muito mais sobre a maioria
deste povo que, estou convicta, está cheínho de imensas e honrosas excepções.
Resumindo, o “pó” que tenho é a quem conheço bem, me destratou a mim ou a
alguém dos meus, e de quem prefiro manter uma distância anti-histamínica.
Uma das razões que poderá levar a ter-se um “pó” a alguém
é quando se é alvo de difamação por parte desse alguém. A difamação, afinal,
pode ser o grau mais alto da consequência da “pós-verdade”, o segundo “pó” deste
texto de opinião, já que a expressão, que o dicionário Oxford incluiu de novo
em 2016, faz referência a circunstâncias em que os factos objectivos têm menos
influência na formação de opinião, também pública e em público, do que os
apelos emocionais e as opiniões pessoais.
Finalmente,
e por esta nova era da Democracia, a mais antiga do outro lado do Atlântico mas
também a nossa jovem, parecer estar a assumir possibilidades teóricas inéditas,
para o bem ou para o mal só poderemos avaliar ao fim de quatro anos de mandatos
democraticamente constituídos, resta-me desejar que não se desfaçam em pó os
princípios que regulam o sistema democrático. E termino com as palavras da
última carta de Obama aos Americanos, o presidente que se me mostrou,
juntamente com a sua Michelle, como a imagem do melhor que os EE.U configuram
para mim. O que me deixará não só uma lusa pontinha de saudade, mas sobretudo
uma alegria por ter conhecido durante a minha vida o mundo e aquele lugar
presidido por este homem: «Quando a margem do progresso parece lenta,
lembrem-se: a América não é o projecto de uma única pessoa. A palavra mais
poderosa da nossa democracia é a palavra “nós”. Nós, o povo. Nós vamos vencer.
Sim, nós podemos.» O que até é válido para organizações, também soi-disant democráticas, mais modestas que os EE.U ou mesmo
Portugal.