Confesso que a conversa contestatária sobre as ervas que
crescem nos passeios em espaço urbano é, para mim, um dos mais recônditos
mistérios sobre a prática popular de cidadania activa. Entendo-a perfeitamente
quando a oiço a quem vive do que a terra dá e as ervas daninhas representam,
por isso, uma ameaça à boa, ou melhor, colheita. Também reconheço que o lixo
mais facilmente aterra num espaço em que fica preso nas ervas do que num
terreiro livre delas, mas o problema aí é o lixo e quem o faz, e não as ervas
que naturalmente procuram entre as pedras da calçada ou dos passeios um espaço
para crescerem. E é ver o Rossio em Évora - terreiro de mercado livre de ervas,
mensalmente invadido pelo lixo que quem ali negoceia, vendendo e comprando,
deixa como recibo à cidade - para perceber-se no espaço urbano a diferença
entre ervas e lixo.
Se o meio urbano vive muito do comércio, pelos vistos o país
vive também muito do comércio do glifosato que mata depressa e barato as ervas
no campo e na cidade. Só que a cidade não é o campo e o que pode servir a um
pode não servir a outra. Parece-me que a questão do glifosato aplicado na
agricultura ou nos passeios urbanos ou suburbanos é, por isso, diferente. E a
argumentação que justificaria medidas diferenciadas deveria servir mesmo era para
explicar opções, e contrariar o disparate motivado pela ignorância, e não para
servir ora de megafone, ora de rolha. As pressões são mesmo assim e reagir-lhes
requer aos políticos, não só o tino comum aos seres pensantes, mas uma enorme
resistência ao desejo de alguns quererem agradar a todos e a qualquer preço.
As pressões em torno das ervas espontâneas nos passeios são, então,
um assunto de enorme importância para os Eborenses. Sabiam-no os actuais
governantes quando estavam na oposição e cavalgando a contestação se juntavam
ao coro, ideologicamente polifónico, das vozes que punham o assunto no rol do
que está muito mal na cidade. Sabem-no agora quando, confrontados com a falta
de mão-de-obra que já antes impedia que fossem mais eficientes e eficazes os
trabalhadores a arrancar as ervas, vá de usarem o glifosato em doses que coloca
Évora bem posicionada no topo da lista das autarquias que, dentro de uma
legalidade que me confirmaram, mais usam este tipo de herbicida muito pouco
saudável para o cidadão e para os animais domésticos que circulam em espaço
urbano. Afinal de contas, a solução para as ervas não revela ignorância mas uma
escolha muito consciente para tratar um assunto que, em meu entender, se
preocupa muito mais com a opinião pública do que com a saúde pública.
«Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não
surpreende.» pensava o Vergílio Ferreira em contexto de pensar o Homem e a
Vida. E eu, que já vou sabendo algumas
coisitas, fico é mesmo à espera de ser surpreendida no próximo dia 18, quando a
Comissão Europeia votar a reautorização da licença de uso deste herbicida na
Europa. Até agora houve uma proposta para a revalidação por 15 anos, mas a
Itália, a França, a Holanda e a Suécia parece que se opuseram, o que fez com
que não se realizasse a votação por não estar garantida a maioria qualificada.
Entretanto, parece também que o Parlamento Europeu terá feito uma recomendação,
ainda que não vinculativa: que a revalidação da licença se faça apenas por sete
anos e se decrete a proibição do seu uso em espaço urbano. Depois? Depois é
cumprir. O que nem sempre é óbvio, e vai deixar alguma gente continuar muito
incomodada com as ervas no passeio. Tenham dó!