É um prazer estar de volta às Crónicas de
Opinião da DianaFM, desta feita depois de umas mais prolongadas
férias do que o habitual, motivadas pelas eleições legislativas de domingo
último, precedidas do igualmente habitual período de campanha. Habitual mas estranho.
Pareceu-me que, após 41 anos de Democracia e 105 de República, cá dentro, e 25
anos de Reunificação da poderosa irmã europeia Alemanha, ao tomar o período de
campanha eleitoral como tubo de ensaio de comportamentos sociais com impacto na
opinião dos indivíduos que tende a generalizar-se às massas, o balanço possível
da observação de reações várias é de que algo, ou muito, está ou mesmo a mudar
ou, pelo menos, a reclamar mudança.
As mudanças fazem-se, normalmente, por desgaste e o desgaste
contemporâneo não me parece que se resolva nem com cortes que ainda que
aparentem ser radicais se revelam fugazes, nem com uma inércia que redunda em
fatalismo. Vivemos numa época em que a mente, a seguir ao corpo, está cada vez
mais desocupada pelo conforto que lhe vai proporcionando a evolução técnica,
mas que continua a ser efémero porque mortal, exigindo o mais interdito que lhe
traz maior prazer ou simplesmente confundindo-se com os ritmos naturais que lhe
poupam energia e obedecem à lei do menor esforço.
Dias como os que vamos vivendo, e sim falo também da vaga de
refugiados sírios, mesmo que sejam dias políticos que impõem argumentos mais
complexos porque respeitantes ao coletivo, mexem com cada um de nós
individualmente e para além daquilo que é a nossa esfera familiar e
sentimental. Às vezes quando nessa esfera mais íntima soam alarmes, pensar no
resto do mundo é uma forma de irmos dando razão à existência. É ocupar-nos a
mente, agora que o corpo está livre do trabalho mecânico, substituído pela
máquina, e o pensamento se enche também de espaços que o passo seguinte da
civilização humana – ir aliviando as tarefas do raciocínio - vai deixando para
que o Homem usufrua dessa conquista à ociosidade. Pensar torna-se um ato de
resistência quando o que é cómodo para o corpo parece invadir a razão. Ou
quando nos damos conta de que contam com a nossa ociosidade para pensar em vez
de nós, como se o efeito nos fosse tão benéfico como quando a máquina lava por
nós a roupa.
Por tudo isto, e porque ao longo deste ano de crónicas vou
comemorar os 100 anos da vida que Vergílio Ferreira continua a viver nas
palavras que nos deixou, a propósito de cada crónica citarei o professor,
escritor, filósofo que, não sendo de Évora nela viveu 14 anos, retratando-a como poucos vi de forma tão conseguida fazer.
Vergílio Ferreira fez de Évora uma personagem e isso interessa quem quiser
conhecer Évora, por dentro, ou até quem já a conheça, num saber de experiência
feito.
Porque as opiniões se fazem de palavras que exteriorizam e
partilham pensamentos e, as mais conseguidas, podem fazer a diferença na vida
das pessoas e mudar alguma coisa. Ou não. E a consciência dessa possível
impossibilidade é, por si só e na minha opinião, já um desafio a partilhar com
quem gosto e vou fazê-lo convosco. Escreveu o Vergílio Ferreira no seu Diário a
que chamou Conta-Corrente: Porquê? Para
quê? Economiza os teus «porquê» e «para quê». Ou utiliza-os só até onde houver
resposta. Porque a última resposta a eles é o impossível e o vazio. Ou então
terás de mudar de universo. E estás cá tão bem...