Alcançar a paz parece-me ser o fim último do indivíduo e da humanidade.
Falo do fim com sentido de objetivo ou meta a alcançar. Mais ou menos
consciente, por vezes mesmo totalmente ignorada enquanto tal e reconhecível
apenas por uma vivência constante no estado oposto de guerra, o indivíduo ao
longo da vida, como a humanidade ao longo dos séculos, muitas vezes ou
ciclicamente, orienta a sua atuação para a obtenção da paz. Nem que seja para,
logo a seguir, encetar outra empresa em que até chegar à paz seguinte muita
guerreia se há-de fazer.
É desta forma que a paz reúne em si todas as contradições deste mundo, as
que vão da bondade ao cinismo, da espontaneidade ao calculismo, da prudência ao
disparate. É também por isso que alcançar a paz é uma tarefa árdua e que se
lança mão de muitos instrumentos, ferramentas ou argumentos, quando a paz para
que se caminha depende das palavras, dos conceitos e das ideias e a guerra não
deixa de ser guerra. Nos momentos em que a guerra para, supostamente, alcançar
o melhor, do qual uma paz fará em princípio parte, se combate pelos
raciocínios, com opinião, julgamento ou exortação, é quando tantas vezes nos
desmascaramos, enquanto indivíduos e por vezes com impacto num coletivo,
revelando afinal o lado mais primário da dominadora espécie humana.
Curiosamente como com os animais se disputa o parceiro mais forte, o território
mais fértil, o lugar mais poderoso, poucas das muitas guerras entre os humanos
vão para além disto mesmo.
As lutas são tão mais violentas quantos mais danos colaterais se infligem
e, por isso, estar ao lado de quem faz a guerra mesmo que em nome de uma
qualquer paz, se ou quando da queda, não se pode ser dano colateral, nem isso
ser dado como desculpa para dela se sair o mais ileso possível. Tal como quando
toca a repartir os despojos entre os vencedores não haverá quem falte à
chamada, e tantas vezes uma outra guerra se inicie, quando fosse para “lamber
as feridas” haveria que estar lá também, o que nem sempre acontece. É que um
exército composto por quem veio de outro tendo em comum as cicatrizes é um
exército que, por muito que combata em nome do que quer que seja, há-de ter a
vingança como primeiro troféu. E isso não serve como argumento para se fazer a
guerra em nome de outros, mas de si próprio.
Talvez tudo isto, e mais alguma coisa, se encaixe na opinião de Vergílio
Ferreira que dizia que O homem não gosta da paz.
Gosta só de conquistá-la. Entre uma coisa e outra há muita gente estendida. É a
que tem a paz verdadeira.