Imbuída do espírito da cultura popular com as festas da
cidade e da época, meti-me a falar de outras culturas, considerando várias
aceções sobre crenças, costumes e hábitos humanos. Há uma tão enraizada com que
nos cruzamos tanto e a toda a hora que, até como que hipnotizados, nos
esquecemos da sua gravidade. E aqueles que por um determinado modo de vida que
levam se conseguem manter afastados desta pressão impercetível, não estarão
menos sujeitos a ver-se enredados nos assuntos que acham impermeáveis a este
tipo de procedimento, que vive sobretudo na linguagem e no discurso e que se
está a tornar numa prática cultural cada vez mais universal.
Refiro-me à cultura da mentira, nos seus diferentes graus de
intensidade e com consequências várias ainda que todas inevitavelmente
lamentáveis, muitas altamente nefastas nem que seja pontualmente algures na
cadeia que vai desde o momento em que é arquitetada e depois lançada, ou quando
produz os seus efeitos por vezes ao lado ou mais além do seu projeto inicial. É
que a mentira, esta mentira que não é erro ou engano, que não deriva de uma
ingenuidade infantil desejosa de um mundo mágico, ou que é mesmo sintoma de
patologia, esta mentira é uma mentira que engana de propósito, atraindo os mais
distraídos para um determinado alvo com um certo isco, levando-nos a “morder o
anzol”. Porque “morder o anzol” é uma das opções que temos, numa vida
felizmente cada vez mais cheia delas, mas onde por vezes as alternativas não
estão menos engodadas.
Desenganem-se os que já estão a pensar que estou a falar dos
políticos, um alargado grupo de pessoas responsáveis por gerirem os destinos de
um coletivo ou de fiscalizarem essa governação, e sim estou a referir-me a
políticos em democracia, e que tantos ofendem classificando-os liminarmente
como “todos iguais”. Desenganem-se porque este não é um texto confessional, e
muito menos um pedido de indulgência de quem gosta da política e a pratica com
convicção. É tão só e apenas uma reflexão de alguém que, como tantos outros,
está sujeita a constantes doses de notícias e apelos lançados às massas e que
um dia resolve dar-se ao trabalho de ouvir com atenção esses discursos em
vários tons, suportes e propósitos, e perceber como tudo isto parece estar a
tomar proporções inquietantes.
O grego antigo Heródoto terá dito que “é mais fácil enganar
uma multidão do que um só homem” o que na nossa era continua a ser tão ou mais
inquietante, e até porque as multidões são somas de indivíduos que são chamados
como cidadãos a participar cada vez mais na vida pública. Certo é que as
técnicas usadas para arrastar multidões são as mesmas para impingir o bom e o
mau, e que muitas vezes só nos damos conta do mau, ou este se revela, depois de
o termos escolhido como bom. Mas pior mesmo é irmos percebendo que toda esta
prática propagandística, disfarçada de informação disponibilizada ao cidadão e
às massas para que possam escolher isto ou aquilo, ou este ou aquela (porque as
pessoas também estão disponíveis para ser escolhidas), tudo isto parece estar a
viciar-nos ao ponto de deixarmos de acreditar em quem não a utilize. Uma
cultura que tende a extremar as pessoas entre fervorosamente crédulos e constantemente
desconfiados e que urge combater não só com a denúncia, mas muito fazendo por
se assumirem as culpas quando assim for o caso.