Confesso que
tenho muitas dificuldades em entender e encontrar definições para o conceito de
simplicidade aplicado a pessoas. E sobretudo não me revejo em utilizar “simples”
como um adjetivo elogioso, quando aplicado sem ser num contexto muito preciso e
muito pouco possível de estender a toda uma vida. Também é verdade que “simples”
se tornou o antónimo de vaidoso, mas então se a simplicidade é uma tão grande
virtude como não se ficar vaidoso quando alguém lhe aponta esta característica?
É que até as situações que se dizem simples, de resolução se são um problema,
me parecem sempre mais subestimadas do que integralmente resolvidas.
Ocupo-me do
assunto porque tenho estado em situações que se dizem ora solenes, ora simples
e não tenho conseguido entender a diferença. Uma cerimónia pode ser solene e
simples, pode ser solene e complicada, mas é sempre uma cerimónia. Se não é uma
cerimónia, há vários tipos de situações que também podem ser elaboradas.
Elaborado é-me mais fácil de definir e classificar, sem juízos negativos ou
positivos a priori. Elaborado é uma
espécie de sinónimo de algo longo, que requer atenção e concentração, e em que
os papéis dos diferentes intervenientes estão bem definidos e sem grande margem
para improvisos.
Regressando
às pessoas, não me parece que uma pessoa elaborada seja pior que uma pessoa
simples. Até porque há pessoas, dizem-me nas descrições e comentários que delas
se fazem, que quase poderíamos classificar de elaboradamente simples e outras
de simplesmente elaboradas. As pessoas do primeiro tipo que agem de forma tão
simples, ou tão aparentemente simples já que é preciso muita elaboração, que
parece que estão, como diz o povo, a tentar “meter-nos Lisboa pelos olhos
dentro”. Já as do outro tipo, com algum tempo e convivência, lida-se muito
facilmente com algumas delas, nem que seja numa atitude de “amigo não empata
amigo”.
Mas isto
devo ser eu que alinho com o Paul Valéry que dizia: «O que é simples é sempre
falso. O que o não é, não serve para nada.» Não sei se o Valéry aplicava a
simplicidade às pessoas e o culto que se faz desta característica, para mim
pseudo, nas loas que se lhes entoa. Mas é que com este aforismo de Valéry,
começo a acreditar que a simplicidade, das coisas como das pessoas, tem um
caráter utilitário, o que faz com que os humanos sejam recursos, para outros
humanos, claro, e talvez esta taxonomia não seja mais do que uma tática de
gerir o pessoal com quem vamos tendo de lidar no dia-a-dia. Tê-los como simples
é sempre meio caminho andado para, das duas, pelo menos uma: ou a simplicidade
dos outros nos dar menos trabalho e nos facilitar a vida; ou, talvez mais
honestamente, ao etiquetar alguém de simples permitir-se que dela não se espere
muito, o que a acumular com a honestidade tem muito de indecente. Enfim, Valéry
faz-me acreditar que por trás de uma simplicidade está sempre muita elaboração
e, como tal, há que antes de louvar ou criticar com o termo em causa, perceber
o caminho percorrido para se adquirir esse estatuto tão socialmente relevante
de pessoa simples.