9.7.14

Cultura da simplicidade, essa desconhecida

Confesso que tenho muitas dificuldades em entender e encontrar definições para o conceito de simplicidade aplicado a pessoas. E sobretudo não me revejo em utilizar “simples” como um adjetivo elogioso, quando aplicado sem ser num contexto muito preciso e muito pouco possível de estender a toda uma vida. Também é verdade que “simples” se tornou o antónimo de vaidoso, mas então se a simplicidade é uma tão grande virtude como não se ficar vaidoso quando alguém lhe aponta esta característica? É que até as situações que se dizem simples, de resolução se são um problema, me parecem sempre mais subestimadas do que integralmente resolvidas.
Ocupo-me do assunto porque tenho estado em situações que se dizem ora solenes, ora simples e não tenho conseguido entender a diferença. Uma cerimónia pode ser solene e simples, pode ser solene e complicada, mas é sempre uma cerimónia. Se não é uma cerimónia, há vários tipos de situações que também podem ser elaboradas. Elaborado é-me mais fácil de definir e classificar, sem juízos negativos ou positivos a priori. Elaborado é uma espécie de sinónimo de algo longo, que requer atenção e concentração, e em que os papéis dos diferentes intervenientes estão bem definidos e sem grande margem para improvisos.
Regressando às pessoas, não me parece que uma pessoa elaborada seja pior que uma pessoa simples. Até porque há pessoas, dizem-me nas descrições e comentários que delas se fazem, que quase poderíamos classificar de elaboradamente simples e outras de simplesmente elaboradas. As pessoas do primeiro tipo que agem de forma tão simples, ou tão aparentemente simples já que é preciso muita elaboração, que parece que estão, como diz o povo, a tentar “meter-nos Lisboa pelos olhos dentro”. Já as do outro tipo, com algum tempo e convivência, lida-se muito facilmente com algumas delas, nem que seja numa atitude de “amigo não empata amigo”.  

Mas isto devo ser eu que alinho com o Paul Valéry que dizia: «O que é simples é sempre falso. O que o não é, não serve para nada.» Não sei se o Valéry aplicava a simplicidade às pessoas e o culto que se faz desta característica, para mim pseudo, nas loas que se lhes entoa. Mas é que com este aforismo de Valéry, começo a acreditar que a simplicidade, das coisas como das pessoas, tem um caráter utilitário, o que faz com que os humanos sejam recursos, para outros humanos, claro, e talvez esta taxonomia não seja mais do que uma tática de gerir o pessoal com quem vamos tendo de lidar no dia-a-dia. Tê-los como simples é sempre meio caminho andado para, das duas, pelo menos uma: ou a simplicidade dos outros nos dar menos trabalho e nos facilitar a vida; ou, talvez mais honestamente, ao etiquetar alguém de simples permitir-se que dela não se espere muito, o que a acumular com a honestidade tem muito de indecente. Enfim, Valéry faz-me acreditar que por trás de uma simplicidade está sempre muita elaboração e, como tal, há que antes de louvar ou criticar com o termo em causa, perceber o caminho percorrido para se adquirir esse estatuto tão socialmente relevante de pessoa simples.