7.1.14

Palavras, coisas e mudanças

«A coisa nenhuma deveria ser dado um nome, pois há perigo de que esse nome a transforme", disse Virginia Wolf nos inícios do século XX. Como estamos a estrear um ano novinho em folha, como as palavras são uma das matérias-primas das crónicas, como há um orçamento novo e um plano de atividades novo de um executivo novo numa Cidade antiga que é Évora, resolvi juntar este alerta de Virginia Wolf, e rebuscado exagero literário, a uma prática que descobri, não sem algum tempo de reflexão, no novo governo da Cidade.
O orçamento já está aprovado e, em princípio, porá a trabalhar como se propuseram a fazê-lo e os eborenses, vá, a maioria dos eborenses que quis votar, escolheu, os elementos do novo executivo municipal, que é como quem diz presidente e vereadores. Nestes dois primeiros meses não era previsível que muito se fizesse, ainda que afanosamente se tenham divulgado inúmeras iniciativas que, a maioria órfã de quem as gerou, foram perfilhadas por quem se deverá encarregar do seu destino. É normal, já que ao fim de 12 anos, haverá programas e projetos que não poderão ter ultrapassado a fase de adolescência, o que já não aconteceria se tivessem uma consolidação de 20 e tal anos. Mas adiante. O que me traz hoje aqui é o aspeto inovador do plano de atividades que se propõe começar agora e cumprir até 2017, em princípio.
E inovador em quê, perguntar-me-ão desconfiados, com este aparente elogio vindo de vereadora da oposição. Pois bem, o plano de atividades é inovador no uso de palavras. Dar-vos-ei um exemplo só, para já e para não vos maçar mais, e porque outros poderão voltar às crónicas, uma vez que visitarei o documento várias vezes. Além de que, julgo eu que poderão consultar os outros, nos meios de comunicação municipal, e avaliá-los em relação direta. O exemplo é de como, de repente, o plano de atividades e o orçamento passaram a referir-se expressamente à Câmara Municipal de Évora como Município de Évora. Com a insistência quase que parecia que estávamos a ver as palavras a negrito, com direito a abreviatura nova e tudo e que se pode ler MÉvr. Assim mesmo. E admito que levei algum tempo a perceber o porquê desta nova forma de se referirem, e presumo que desejarem que nos refiramos, à Câmara.
A CME passar a MÉvr, porquê? Eu que até acho graça, e uso com afeto, a corruptela popular de “cambra”, fiquei mesmo a matutar no assunto. Depois de algumas voltas aos últimos quatro anos, relembrando as intervenções de ex-membros da oposição agora governantes ou a eles chegados, em diferentes lugares, percebi finalmente uma possível razão. É que ao fim de 12 anos a tentarem, persistentemente, denegrir a imagem da Câmara Municipal de Évora, até quando esta era pública, nacional e internacionalmente reconhecida, a Câmara e não apenas a Cidade, teriam agora de se querer livrar dessa mancha que eles próprios derramaram e rebatizar então a “coisa” com novo nome de Município de Évora ou, na sua versão “diminutivo-nickname”, MÉvr. Pronto, aparentemente deslindada esta curiosidade, outras haverá que trarão assunto com elas.