8.1.13

RECOMEÇAR

Sempre me disse mais a noite da passagem do ano do que a noite de Natal. O facto de, em princípio, estarmos todos ao mesmo tempo numa mesma longitude a marcar o início de algo provoca-me sempre um turbilhão de pensamentos, sentimentos e emoções. Pensar nos que estão, nos que partiram, no que está a ser tão bom, no que está a ser pior mas que há-de melhorar, se depender só de mim, enfim, parece-me sempre ser aquele um momento de recomeçar.

Recomeçar não quer dizer apagar tudo o que vem de trás, não senhor. Até porque isso quereria dizer que nem com os erros, partindo do princípio que seriam esses que queríamos apagar, aprendemos. Recomeçar, diz-me a mim a palavra, é voltar a pegar no que estávamos a fazer e que por qualquer razão interrompemos, como se interrompe um ano para começar outro, mesmo se o Tempo, independentemente de todos estes artifícios de calendário, continua inevitavelmente a passar. Contra esta inevitabilidade cortamo-lo às fatias, ao Tempo, conforme nos dá jeito e sem desajeitar muito a vida dos outros, para o irmos gerindo. E esta fatia grande de um ano inteirinho por estrear deixa-nos expetantes sobretudo quando se ouvem, quase em uníssono, vozes que prenunciam coisas menos boas.

Mas também com as vozes vou podendo bem, já que tantas vezes as coisas e os seus contrários entram numa lógica em que parecem todas querer encaminhar-se para um bom desfecho. Parecem. O exercício que nos poderemos obrigar a fazer é recomeçar por ler nas entrelinhas de todas as previsões, análises, profecias, pensar nas causas das coisas, procurar todas as informações, olhar para gestos e atitudes de concidadãos com olhos de ver, discutir com quem possa dar-nos mais uma informação ou um ponto de vista diferente mas igualmente fruto de reflexão.

Por vezes sinto que se há utilidade na formação de leitores literários, ou seja dos que entram no mundo da leitura pela literatura (e digo utilidade porque a literatura, como toda a arte não precisa que lhe encontrem uma utilidade), é nunca dar como unívoca uma mensagem traduzida em linguagem, neste caso verbal. A realidade transmitida pelo discurso, ou construída pelo discurso como é o mundo criado pela ficção ou pela poesia, é sempre equívoca, já que plural, na leitura dos significados que encerra. Ler o mundo, o real, o comezinho de todos os dias, que nos entra em catadupas pelos canais de TV, através dos discursos – dos discursos dos repórteres, dos discursos dos políticos, dos discursos dos comentadores, dos discursos dos especialistas – é sempre ir tendo apenas lados de um objeto muito mais pluridimensional que é a vida das pessoas ou é, também, o programa dos que gerem o país – os da posição e os da oposição – já que contrapoder também é poder…

Antes de lançarmos mão da reação mais primária da revolta perante um discurso sobre a vida tão descorçoante – e como essa é uma reação tão natural e fácil para qualquer um de nós comum mortal! – não deveremos antes pensar se tudo aquilo que nos faz reagir assim não seria previsível, se aquilo de que nos queixamos agora não é aquilo de que se queixam desde há muito outros (e que alguns até foram tentando remediar e não aumentar o número de queixosos), se o que agora para alguns serve de remédio, não foi já apontado pelos mesmos como veneno? Enfim, pensarmos que não foi por acaso que chegámos assim e aqui a 2013, não apenas por causa de uns ou de outros mas, se calhar, de uns e de outros. Erros de governação, opções menos felizes, condutas menos solidárias e logo menos próprias de atos de cidadania, podem acontecer a quem age e a quem atua, ou então a quem se deixa levar por gestos menos pensados. Importa é saber que todos e todas poderemos recomeçar… e termos aprendido com esses erros. Vamos lá aprender connosco próprios, já que em princípio somos aqueles com quem lidamos em primeiro lugar em cada dia que nasce!