22.3.11

A primeira crónica (Rádio Diana)

Começo por agradecer à Rádio Diana o convite que me fez para passar a integrar o seu conjunto de cronistas.
Fazer uma crónica é ocupar um espaço público num determinado tempo. É por isso um acto circunstancial: é naquele ponto em que a linha horizontal do tempo se cruza com a linha vertical do espaço que aquilo de que se fala faz sentido. Também corremos o risco, é claro, de sermos confrontados com esses pontinhos de intersecção mais tarde e virem acusar-nos de já ter tido esta ou aquela opinião sobre um assunto e estarmos a querer “virar o bico ao prego”. Cá para mim isso é correr o risco de “escrever direito por linhas tortas”, que é o que faz Deus e quem sou eu para dizer que está mal feito!
Também julgo que é do senso comum que a opinião que exprimimos ou o facto que relatamos seja do interesse de quem nos ouve ou lê. É por isso ao mesmo tempo um espaço de partilha. Mas numa crónica, comummente como qualquer mortal, somos tentados a não deixar fugir a oportunidade de se fazer um exercício de retórica, tentando mover os outros para que concordem connosco, ou pelo menos que fiquem a pensar nos assuntos tratados. Ficam, pois, claras as regras do meu jogo convosco que me ouvem ou lêem.
E começo então nesta primeira crónica por vos falar daquilo que sou e como isso, em dada altura, me pôs a pensar: sou funcionária pública, ocupando agora um cargo ainda mais público pela visibilidade a que fiquei sujeita em alguns meios. Desde que comecei a trabalhar à séria, isto é sem ser coisa de estudante em férias e quase só como ocupação rentável de tempos que seriam por definição livres, comecei logo como funcionária pública: nos primeiros quinze anos como provisória, nestes cinco últimos como tendo nomeação definitiva, mas sem pertencer, por especificidade da carreira, a um chamado quadro. Nunca, enquanto trabalhei e antes de estar de vereadora na Câmara Municipal de Évora, me tinha debruçado sobre a questão existencial do que significa, profundamente, ser um funcionário público. E como não sou nem pior nem melhor do que ninguém, julgo que a maioria dos que como eu tiveram e têm a sorte de ser funcionários públicos em situação estável também não devem pensar muito no assunto.
Ora acontece que, desde que fui eleita e me inteirei das minhas novas funções, tem sido preocupação minha honrar, mais do que nunca, o compromisso que tenho com quem elegeu a equipa que integro democraticamente. E honrar esse compromisso é ter consciência de que toda e qualquer opção que tome, e fazer governação política é isso mesmo, optar, deverá ser a pensar no bem público, esse público que são os cidadãos do Concelho de Évora.
E foi nestas funções que descobri, um pouco por acaso, a existência de uma Carta Ética da Administração Pública, que enumera dez princípios éticos e entra logo com este: «Os funcionários encontram-se ao serviço exclusivo da comunidade e dos cidadãos, prevalecendo sempre o interesse público sobre os interesses particulares de cada grupo.». Confesso que fiquei chocada com esta minha ignorância de décadas mas, como já disse, não sendo eu nem pior nem melhor do que ninguém, fui-me confortando com o eventual igual mal dos outros. Quantos funcionários públicos saberão desta Carta? Porque será que só quando assumi um cargo político de poder me assaltaram estas inquietações? Olhando para trás percebi que não tinha fugido àquele primeiro princípio de conduta ética, mas o tê-lo feito sem saber da regra fez-me sentir que andei “às escuras” durante muito tempo. E ainda se diz por aí que, para além do sabido Amor, o Poder cega as pessoas! Muito obrigada e até para a semana.