12.12.23

Qual era a dúvida?

O ambiente político e jornalístico está irrespirável. A comunicação social veio sobretudo mostrar mais, mas também terá, como qualquer outra corporação, a sua parte no assunto: o sangue e o lodo vendem bem.

Ao fim de décadas envolvida em meios políticos, com uma vivência em ambientes frequentados por pessoas oriundas de estratos sociais bem diferentes, e sobretudo de relações de proximidade não hierarquizadas, o que vivemos agora traz-me, afinal e só, a pergunta: qual era a dúvida?

Qual era a dúvida que, desde sempre num mundo em que o bem-estar e a prosperidade colectivos vêm, com sorte, em segundo lugar e cada um anda é a tratar do seu jardim, tenhamos chegado aqui?

Qual era a dúvida que, num jogo social em que por todo o lado se julga que quem não é bom para si, não é bom para os outros e não projecta poder, não nos traria aqui? (Lá diz o ditado popular: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte.)

Qual era a dúvida que, no negócio das relações, os poderosos que não fazem jeitinhos aos que também têm o seu poder noutras áreas, não contribuem para que a cunha se transforme em chantagem (pistolão, como dizem no Brasil é muito mais adequado) e tenhamos chegado aqui? (Quem nunca ouviu que se fosse preciso ia chamar a CMTV?)

Ao fim de 50 anos, o que conquistámos foi também, com a Democracia, a oportunidade de muitos mais, para além das elites de poucos, imitarem os seus comportamentos. A definição de elite ganhou, na prática, declinações que, pelo menos, não nos deveriam deixar dúvidas sobre o porquê de vivermos o tráfico de influências como um sistema transversal. Ou há dúvidas que assim seja?

Há soluções definitivas? Ou é como as dividas dos governos que se vão gerindo? A mim resta-me ir tendo a consciência de que é assim e dos riscos que corro. E depois, lidar. Sem idolatrias, sem esperar por figuras salvíficas, mas com a oportunidade que não desperdiçarei de escolher, com a tal consciência, princípios, ideologias, avaliação de provas que me quiserem mostrar. Ou há dúvidas que é melhor termos o poder do voto para o usar do que ficarmos sentados em casa à espera? Ou ir lá convencidos de que chega votar para protestar e não para governar?

Para onde vamos, com este caminho? Não faço ideia, mas não tinha grandes dúvidas que chegaríamos aqui. E que nos habituaremos a isto, como a tudo. E, acima de tudo, tento não me esquecer de passados, mais distantes ou mais recentes. Se a desgraça dos outros não consola, o que vemos no Mundo aos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos mostra-nos que não estamos sós. E que a esperança se serve em doses muito pequeninas.