12.4.22

A tournée de Zelensky

 Era por demais evidente que, mais cedo ou mais tarde, o herói ucraniano desta guerra, talvez mundial, marcaria presença no parlamento português. Uso a expressão “marcar presença”, muito vulgarizada, infelizmente, porque começou por usar-se no contexto da popularidade de certas figuras de reality-shows em discotecas e quejandos, onde apenas conviviam porque não se lhes conhecia mais nenhuns dotes que pudessem requerer um lugar do espectáculo. Mas voltemos ao assunto.


O novo tempo permite que se troque a visita institucional pela videochamada institucional. Ou teletrabalhar não teria sido a solução para o trabalho continuar a ser feito por uma imensa maioria dos confinados em 2020 e 2021. O voto contra do PCP para o convite a Zelensky foi, como sempre e no discurso, coerente com a posição inicial. Posição que tem tentado camuflar, pondo em alternativa o cenário, utópico e obviamente inexequível, de que à Assembleia da República Portuguesa, no mínimo, caberia qualquer coisa como ser palco do encontro Putin-Zelensky a comprometerem-se os dois sabe-se lá bem com o quê. Daria logo a oportunidade de, por essas rotundas fora, se espalharem cartazes a proclamar que, não só o PCP é a espécie de desodorizante “contigo todos os dias”, mas o verdadeiro mentor das conversações cimeiras para a paz mundial. Estão, comprova-se, muito habituados a tornar tudo em “marcação de presenças”, em verbo de encher a fachada da democracia e do aligeirar ódios de estimação (porque o discurso contra o discurso do ódio é mesmo o que está a dar…).

Não era fã de Zelensky, até porque nem o conhecia bem, e só o conheço melhor porque esta maldita guerra o obrigou a “internacionalizar-se”. E não estou do lado da ideologia a que se encostou para chegar ao poder e que, entrando a Ucrânia na UE, o levará, no mínimo, ao Partido Popular Europeu (como não lhe conheço os dotes artísticos, por esse lado não o poderia julgar). No entanto, admiro a sua capacidade de resistência, sobretudo quando tem o país que governa em escombros. De qualquer modo, a resistência é a característica mínima de qualquer político a que reconheço valor, independentemente da capacidade de boa gestão que venha a revelar: torna-me mais resistente na minha capacidade de não deixar de lhes dar atenção quando só me apetece “cancelá-los”.

Posto isto, ainda estranho, como estranhei as aulas on-line, certas coisas acontecerem no ecrã. Tem algo de pop, de show. Mas pop é diminutivo de popular, adjectivo que se molda ao que se quer democrático na base conceptual e que, por vezes e infelizmente, descamba em populismo; e há shows bem piores do que um texto bem encenado de que conhecemos o pretexto, com um contexto que adaptará para o palco Portugal, o que esperamos com alguma curiosidade; e até quais serão as referências, ou intertextos, que evocará. Pense-se nos intermináveis desfiles militares com monstruosas máquinas de guerra que acontecem na China, na Coreia do Norte e na Rússia. Estes já são vídeo-shows aceitáveis para o PCP?

Enfim, a desilusão que pessoalmente me acordou em 2009 parece estar a acontecer em 2022 a mais gente. A desilusão que me levou para além do valor histórico do Partido na clandestinidade, ou da breve alegria que o colorido das fachadas proporcionam ao cidadão comum, e que me explicou muito bem a oligarquia russa. Já não dá para disfarçar, pois não? Acontece muito quando se prova da receita que se deu aos outros, como quando se gritou: Acordai! Só por isto já valeu a anunciada visita institucional de Zelensky à AR, mesmo que em formato de tournée audiovisual.