20.11.18

Melhores que nós


Não basta ser o primeiro a pôr o dedo no ar para acertar na resposta ou melhor cumprir o exercício proposto, nem olharmo-nos ao espelho e repetirmos um mantra do tipo “eu cá sou bom, sou muito bom, eu sou tão bom”, sem convivermos, sem nos compararmos, sem nos confrontarmos com “os outros”. E não, isto não é aguçar o espírito competitivo até ao limite tão baixo da arrogância. Isto chama-se, ou pode chamar-se, a construção da identidade. Aquela que não é possível sem a alteridade, e que significa o conhecimento do Outro.

Recentemente tive mais uma oportunidade de conviver, à volta dos livros e da informação, com gente de nacionalidades tão diferentes como da britânica à turca, da do Bangladesh à da Alemanha, da ucraniana à finlandesa, da do Irão à da Holanda. Gente que lida sobretudo com professores, com bibliotecários, com decisores políticos de níveis diversos (internacional, nacional, local) nas áreas da Educação e da Cultura. Mas estas sobretudo apontadas, maioritariamente, para assuntos de acção social. Se as queixas nestes sectores permanecem, estranha mas compreensivelmente, alinhadas pelo conceito de um certo inconsciente colectivo da espécie humana, é bem certo que o capital de queixa se alimenta de vários filões. Nem só dos salários, nem só dos horários, nem só da geração anterior ou da que vem a seguir, nem só das faltas ou dos excessos. Reclamar, com pior ou melhor argumentário, é aparentemente o passo que vem a seguir ao direito que se adquiriu, e para o qual o dever de cumprir com essa responsabilidade exige que se ganhe tempo e espaço de manobra para prosseguir. Há até quem viva apenas da gestão destes interstícios, tentando perpetuá-los como forma de subsistência.

Desse convívio, onde Brexit, Trump, Bolsonaro, Erdohan ou outros mesmo não sendo nomeados foram assunto que por ali pairou, verifiquei que Portugal tem uma imagem paradisíaca. Cheguei a sentir-me finlandesa! Ora, sabendo que por detrás de um possível irritante discurso optimista, obrigatório quando se tem de combater um recorrente bota-abaixo que também faz parte do mesmo jogo político, estão dificuldades e insatisfações constantes, não poderemos não gostar que nos olhem assim. E pesando essa imagem que passamos e a realidade que vivemos só me fez pensar que, mais do que embandeirarmos em arco com a excelência que deverá ser a eterna utopia a perseguir, mais do que a festejar tornando-a circunstancial e banalizando-a; pesando tudo isto, só me parece que é uma tarefa que cabe a cada um de nós para cabermos na bela imagem do nosso colectivo. E que devamos talvez repetir-nos muitas vezes que teremos de ser melhores do que nós próprios. Como diria o Almada Negreiros, não sem algum sarcasmo, e em formato adaptado: “Coragem, já só quase nos faltam as qualidades!”.