Nas últimas semanas houve dois acontecimentos que foram
programados por gente aparentemente comum e que vitimaram, cada um deles, mais
de uma centena de inocentes que apenas estavam à hora errada, no lugar errado.
Foram crimes, portanto. Se um deles, o do avião propositadamente precipitado
nos Alpes franceses por um dos pilotos, foi feito em nome individual revelador
de um protagonismo doentio; o outro, o da chacina na Universidade de Garissa no
Quénia, fez-se em nome de um colectivo adorador de um Deus que se revela assim
de maneira nada saudável. Ambos acabaram por se me afigurar como formas de
desviar atenções: um, mais inusitado, para si próprio, outro, que tende a
tornar-se dramaticamente rotineiro nesta estranha guerra santa que grassa neste
mundo que conhecemos, para uma ordem que treslê leis divinas. Não foram
incidentes ou acidentes, foram massacres.
Com a Páscoa, e com o que de passagem esta festa
judaico-cristã tem, mas também por causa desses dois acontecimentos recentes,
pus-me a pensar na palavra bypass. Bypass significa contornar, desviar. É
uma passagem secundária que permite dar a volta a uma determinada situação. Tanto
pode ser um caminho alternativo, se considerada uma definição generalista, como
uma determinada técnica da engenharia hidráulica, ou uma operação para
equipamentos electrónicos ou ainda, e talvez o contexto mais conhecido, uma
intervenção cirúrgica. Nesta área da medicina, o bypass é também o nome de um equipamento que ajuda os doentes em
estado grave a terem uma vida melhor, pois permite que se desviem as funções de
vários órgãos do corpo, mantendo-os a funcionar. Já na eletrónica é uma
operação que serve para desviar a corrente e a tensão dos equipamentos, e que é
utilizada quando se tem que fazer a manutenção ou substituição desses
equipamentos, tornando-se uma medida de segurança para quem está envolvido
nesse tipo de processo. Na área de hidráulica, o bypass é um caminho para fazer com que a água consiga chegar até ao
caminho principal, mas por vias alternativas.
Enfim, o bypass
parece ser um atalho benigno e não uma espécie de passe de mágica ou
ultrapassagem com artimanha. O lado bom do curto-circuito que permite a solução
e não constitui um problema. Uma forma de preservar a vida, pensada e
utilizando a técnica, fruto do engenho humano. Uma demonstração do poder do
homem através da ciência, e não ao serviço da morte, como nestas duas
tragédias. Ou como em muito menos trágicos episódios de vidas públicas, ou não,
em que rebuscadas estratégias de desviar atenções para si ou para outros,
mascaram com o tal e mesmo engenho, objetivos pouco claros e, normalmente, que
apenas beneficiam os que montam esses desvios. Bypasses que são, afinal, manifestações de poder ao perigoso
alcance de cada vez mais comuns mortais e que, para se tornarem imprevisíveis,
se tornam cada vez mais terrivelmente surpreendentes e criativos. Num muito mau
sentido.