11.1.12

A caridade não tem pátria

Há um provérbio que diz que «a caridade não tem pátria» e sobre isto se poderia dizer muita coisa.

Quando na semana passada fomos surpreendidos com uma transferência relacionada com o grupo empresarial Jerónimo Martins para a Holanda, um malabarismo em busca de benefícios fiscais, logo uma série de vozes sobre o antipatriotismo de Soares dos Santos se fez ouvir. Eu o que acho é que “antipatriotismo” é uma versão de insulto – porque é um insulto – aplicada a gente importante. Quando a gente que pratica este tipo de expediente não é importante chamamos-lhe “chico-espertice”.

Sobre o acontecimento em si, a melhor explicação que li sobre o caso, e que não me deixou a ficar pensar melhor sobre o Sr. Soares dos Santos, foi a de Pedro Lains. Explicação curta, concisa, clara e não desprovida de um certo humor, negro como convém à época, e que dizia assim: «Que seja um empresário silencioso a fazê-lo, aconselhado por zelosos fiscalistas e advogados, ok, não faz tanto mal. Agora, que seja alguém com intervenção pública sempre de teor moralizador, acho mal. E também estiverem mal alguns jornalistas (…). Enfim. Nos Países Baixos os impostos não são mais baixos do que em Portugal. Ao contrário, são mais altos. Lá, como na demais civilização do norte do continente europeu que inventou o crescimento económico há 300 anos, o Estado é social, equilibrado e competitivo. Mas fazem uma coisa que aleija os governos incautos - ou nabos - como o português. E fazem isso porque os ricos sabem que têm de pagar mais do que os pobres. O quê? Simples, têm elevados impostos sobre os rendimentos, altamente progressivos, e baixos impostos sobre os capitais. O que Soares dos Santos vai fazer é pagar os impostos onde eles são mais baixos. O IRS aqui, no Marrocos de cima, e o IRC lá, na terra da justiça fiscal. É legal? É. É moralmente correcto? Mais ou menos. Devia este homem com intervenção pública fazê-lo? Não. Há alguma coisa a fazer? Há. Seguramente que há. Uma vez que as estruturas fiscais na UE não são harmonizadas, os governos têm competência para encontrar mecanismos para obviar a estas engenharias fiscais - ou estou errado? Mas como isso não é uma "profunda mudança estrutural", mas apenas um singelo acto de governação, ninguém liga.»

Ora eu concordo com Pedro Lains, mas continuo a achar, com uma ponta de moralidade é certo, que o Sr. Soares dos Santos é mesmo antipatriótico. Ele que veio dizer ao País em Abril que «nós temos é que olhar para nós, e perguntar: o que é que eu posso fazer pelo meu país?». E citei-o. É este antipatriotismo cimeiro que contamina os outros e dá cobertura moral (ou imoral!) aos chico-espertos: os que não passam fatura, não declarando impostos; os que picam o ponto e vão dar uma curva antes de ir trabalhar; os que fazem da preguiça doença, mas também os que passam “baixas” médicas de forma industrial sem “controlo de qualidade”; em resumo, os que mentem e com essa mentira lesam o Estado, de quem depois esperam que os salve das crises.

Este casozinho particular, do bom gestor que zela pela sua empresazinha, aproveitando a inépcia governativa que bem podia, para 2012, ter feito com que o repatriamento de lucros tivesse um imposto de compensação, isto faz-me lembrar o par de opostos «ação social vs caridade». E, neste contexto da não-pátria da caridade, percebemos que não só aquilo que beneficia uns não beneficia outros, como os pode mesmo prejudicar. E com exemplos destes, que ainda servem como tal para muitos, a quem o tipo de expediente é desculpa para replicar, não admirará muito que a crise não seja madrasta para todos como a Pátria é mãe, mas só para alguns felizes apátridas nas melhores ocasiões.