16.2.21

Cobaias em fadiga pandémica

Diz que a esta fartura que muitos já vão tendo da pandemia se pode chamar “fadiga pandémica”. Confesso que a expressão me parece traduzir muito bem a injustiça de tal fadiga perante a dureza que a situação em geral nos exige. Ou seja, é só cansaço. Não é dor, nem pobreza, não é desespero, nem impaciência. O que existe em nós é só cansaço, ou fadiga. Contra o cansaço ou continuamos os treinos, para ganhar resistência, ou desatamos a fazer coisas.

O pior é quando fazer coisas equivale a dizer tudo e o seu contrário, disparar em todas as direcções e pôr-se de fora, não sei bem a fazer mais o quê para contribuir para a solução. Curiosamente, é o que mais oiço aos responsáveis e colaboradores mais verborreicos das Ordens directamente envolvidas nas questões de saúde pública. O que me parece é que pouco habituados a terem perspectivas dos problemas para além dos seus problemas, eles próprios se começaram a sentir cobaias no pan-problema que vivemos e que requer uma abordagem panorâmica e muito nítida.

Estas cobaias têm nomes: Guimarães, Cavaco, Froes. Cada um ao seu estilo muito próprio, todos cobrindo um leque variado em três dos “sabores” em que podemos sistematizar as turbas, mais ou menos disponíveis, a tornarem-se ululantes: os que gostam do discurso armado em lógica técnica de cubo mágico que se desmancha e se resolve, consoante o jeito que dá a quem mais dê; o discurso para grunhos, trolls e outras personagens que gostam mesmo é de pântano; e, mais recente e requintado, o discurso do que, empoderado pelo protagonismo do vírus, usa figuras de estilo para se enfeitar, usando a ciência da linguagem, para confrontos (necessários?) fora da sua zona de conforto (hão-de me indicar o cientista da área da biologia que dê como uma postura de princípio correcta a que soma conjuntos de vírus com conjuntos de gestores). Usa, mal, esse jogo floral para disfarçar a incapacidade de passar do seu discurso teórico à medida prática, a que tem de equacionar muito mais do que, mas também, o desconhecimento dessa sua ciência e as diferenças e dinâmicas da sociedade.

Ao ouvi-los percebi bem que a pandemia também os transformou em cobaias e que às suas fadigas também se pode chamar desculpas esfarrapadas. No fundo, no fundo as mesmas que muitos de nós, os privilegiados que mantêm, apesar da pandemia, um conforto que outros já perderam: vida, saúde, emprego, família e, até, o conforto do computador e da Internet que, está visto, é cada vez menos um luxo e cada vez mais um bem de primeira necessidade democrática. Saibamos, emissores e receptores, usá-los, a estes bens, com juízo.