9.2.21

Agulha e “didal” neste pátio de cantigas

 “Ai chega, chega, chega

Chega, chega ó minha agulha
Afasta, afasta, afasta
Afasta o meu dedal
Brejeira não sejas trafulha
Ó não, és a mais bela fresca agulha em Portugal.”

Imagino que toda a gente conheça o filme (A Canção de Lisboa) e a cena em que este refrão é cantarolado pela saloia Beatriz Costa. Pois a cena das vacinas a que vimos assistindo, neste filme de horror em que estamos todos a participar, descambou, como num mau guião. Quando nos distraem do enredo principal, para nos fazerem dar mais atenção às más narrativas transversais, é porque já há demasiada gente a intervir na rodagem, pressionando, para que o filme não flua e, no fim, possamos guardar a película como digna da posteridade. De preferência transformada em drama bem resolvido no nosso subconsciente, ou lá como é que se chama o baú das memórias com que aprendemos, mas sem nenhuma espécie de nostalgia a assaltar-nos.

Já percebemos que a questão das vacinas veio expor o modo muito medíocre de se fazer política por cá. A partidarite está ao rubro e o medo que fez fugir “o rabo à seringa” (perdoem-me o plebeísmo) há um ano, em que todos sabiam que o que corresse bem ao governo e aos governantes correria bem ao País, esse medo foi substituído pelo perigoso pânico. E pânico não só já da causa, que ainda não está resolvida (muito longe disso), mas das consequências. Tempos que, ao misturarem-se, podem resultar numa maior e ainda mais longa tragédia.

Quem tem grande parte neste filme da desordem é quem dirige os “câmeras” que, ao invés de com as suas lentes mostrarem o que importa, nos distraem para os casinhos. Ora, como todos sabemos, os casinhos são o prato principal dos maus políticos e dos bons "influencers" ou "spin doctors", sempre prontos a dar que falar a quem, até compreensivamente, não pensa em tudo até ao fim. Até porque também nos distraem, e banalizam, perdoando-lhes, dos grandes casos, graves, inaceitáveis e puníveis, nem que seja pela sanção social. Más sequelas, portanto, falhas culpáveis de também políticas, desta feita, jornalísticas, às ordens de quem muitos do meio têm de se submeter para sobreviver. Será que vai ter de chegar uma altura em que entrevistados e perseguidos têm de fazer perguntas e perseguir os agentes da comunicação social? Isso seria péssimo para a liberdade de imprensa, péssimo para a democracia.

Era bom que quem trabalha com seriedade no meio, à procura e a dar palco a figurantes que estragam o filme, se aperceba de que um dia também seja tomada o todo por essa parte. Que passem a ouvir que “são todos iguais!”, que “é uma vergonha!”, “tudo aldrabões e mentirosos!”. Eu cá não quero isto. Quero e preciso da informação que a comunicação social me traz todos os dias. O resto? O resto são cantigas, mandadas cantar por gente cheia de si mesma, como o merceeiro Evaristo. (Estou aqui a pensar que esta “Agulha e Dedal” se presta a leituras tão divertidas. Mas, lá está, isso é papel de cronistas-humoristas, não de quem não tem vontade de rir com certos assuntos e que, assim sendo, dificilmente acertará no tom.)