12.7.11

A Concertação e o Diálogo

A concertação tem como sinónimo a conciliação; a concertação social é o acordo entre o governo e os vários parceiros sociais (sindicatos, associações profissionais, etc.) sobre medidas laborais. E é por isso que a meu ver, para seguirmos o exemplo de um funcionamento democrático, a concertação entre o poder político e os cidadãos se deverá fazer entre representantes de uns e de outros. Da concertação espera-se que haja um harmonizar de vontades e possibilidades. E, finalmente, a concertação é, no meu entender, o culminar de um processo com várias etapas do qual o diálogo é apenas uma.

As acusações de falta de diálogo entre os políticos e as pessoas ocorrem normalmente quando os recém-eleitos perdem o estado de graça de quando chegam de novo ao poder e se percebe que não são anjos, prestidigitadores ou messias que passaram a ocupar de novo um cargo, com nome igual ou diferente, mas com as mesmas funções governativas de gerir os bens públicos em favor do público em geral e não de corporações, mais ou menos poderosas. Há por isso, nas mudanças governativas, uma das partes que se mantém: aquela que reivindica os seus direitos e se predispõe a contribuir com o seu trabalho para o funcionamento da coisa pública. Há também circunstâncias que se mantêm: o normativo, isto é, determinada legislação, e vários outros instrumentos de governação como os orçamentos ou os quadros administrativos e técnicos das estruturas. É claro que também aqui pode haver propostas de mudanças, umas melhor aceites que outras, mas essas são normalmente mais demoradas do que o simples processo eleitoral, seguindo vias próprias, umas públicas outras mais restritas, e que são facilmente esquecidas por quem não está directamente envolvido no assunto a ser alterado.

O exemplo mais próximo que tenho é o da instituição dos regulamentos de apoio ao associativismo da Câmara Municipal de Évora que originou muito ruído por alguns e muito desconhecimento, e quem sabe desinteresse, pela maioria dos cidadãos. Também é natural que essa minoria queira dar a conhecer à restante população os motivos e as circunstâncias das suas preocupações e se organizem para tal iniciativas públicas. É até um direito democrático que, desde que não choque com os direitos definidos como de todos, é legítimo.

Essas iniciativas têm também, normalmente, promotores, isto é, pessoas que as levam para a frente, movidos por diversas intenções, pessoais ou de grupo. É por isso que importa perceber “quem é quem” neste tipo de iniciativas. Porque aqueles a quem se reivindicam os direitos, esses, toda a gente os conhece e fez questão de votar, ou não, neles. Por isso os promotores das iniciativas se querem jogar limpo devem identificar-se, para que todos saibam de quem se trata, quais os seus interesses e quando começam ou acabam esses interesses. No fundo, é o que qualquer associação idónea que tenha uma finalidade bem definida, isto é uma identidade, faz. Claro que também há na nossa democracia, e felizmente, quem tenha como objectivo não ser esquecido, mas o mais comum nestes casos é escreverem-se livros de memórias. Às vezes esses esquecidos, ou pessoas de perfil mais rasteirinho, a versão portuguesa do low profile entenda-se, conseguem ingressar em fileiras mais organizadas e juntar a sua voz à voz de outros. Tudo legítimo.

O que já me parece nebuloso e pouco claro, mesmo pouco honesto até, para os restantes cidadãos que assistem mais ou menos é que se diga que não há diálogo quando o que se quer é um longo e interminável monólogo. Aceito apelos, aceito manifestações de desagrado perante injustiças. O que não aceito é que feitas todas as explicações, postas as cartas todas na mesa, propostas todas as saídas para minimizar efeitos de situações que são alheias a ambas as partes de quem se quer concertar se continue a dizer que não há diálogo. Que diálogo é esse que se quer: a criação de falsas expectativas? Um elencar de promessas que não se sabe se e quando se podem cumprir?

Às vezes sinto que os que não são políticos (alguns são, mas de vez em quando despem-lhes a pele) querem insistir nesse pré-conceito de que político é mentiroso, e perpetuar essa tradição que os levará sempre a um ciclo que não se acaba. Pois, porque políticos são todos os que gerem, no poder ou na oposição, os destinos das populações que representam. E há uns que parece que esgravatam à procura de quem vive pior para deles se fazer porta-voz e que quantos mais destes houver de mais vozes são portadores. Fazem as suas propostas em cima de inviabilidades e não em soluções alternativas que colmatem as dificuldades. E ao agir assim, parecem eles estar muito mais a servir uma clientela do que o bem público. E outros há que não tendo assunto assim o arranjam. Mas pronto, façam como entenderem e acharem melhor, porque eu também! Agora, não enganem é os cidadãos dizendo que é por falta de diálogo que não há dinheiro. Um problema muito mais de todos do que só de alguns. É uma questão de Verba, senhores, não de Verbo!

Boas férias!

5.7.11

O efeito-pega

Não sou particular aficionada das touradas ou qualquer outro tipo de espectáculo tauromáquico, mas tenho batido o meu record pessoal, fraquito é certo, de sua espectadora neste último ano. Confesso que não sofrendo com os toiros ou os cavalos, não fico muito à-vontade com as espetadelas e as cornadas que se distribuem durante as touradas e incluo-me naquele grande grupo que vê nas pegas a parte mais interessante do alinhamento tradicional. Aprendi também que este é um momento que só formalmente inclui a tourada, ao que parece, desde 1836 quando D. Maria II proibiu os touros de morte, e a pega passou a ser o finalizar da lide dos cavaleiros. À cor, ao quase bailado, à música e ao entusiasmo do público, que considero constituírem a face mais visível destes eventos, culturais dê lá por um der, é na luta homem-toiro que vejo a coragem desta prática tradicional. 

Já Hans Christian Andersen (esse mesmo, o dos contos) num pequeno livro-guia que escreveu aquando da sua viagem desde a Dinamarca até Portugal, descreve as suas impressões sobre uma pega, a que assistiu em Setúbal e onde, inclusive, se deu a morte de um dos forcados. Aqueles momentos de confronto são consequentemente momentos de grande tensão, onde o único ser que parece estar calmamente a dominar a situação é o touro.

Mas o que para mim é mais intrigante é toda uma postura do público e das suas manifestações em aplausos em momentos bem definidos. Os forcados são aplaudidos em duas situações: quando sofrem forte e feio o impacto e os arremessos do animal, e parece que quanto mais levam mais aplaudidos são; ou quando a pega custa a dar-se por falta de colaboração do touro – chamemos-lhe assim! – e o primeiro elemento, chamado o forcado da cara, tira o barrete e desiste, recomeçando tudo de novo. Há depois ainda a tal pega de cernelha, para determinadas circunstâncias em que os touros se mostram menos predispostos a colaborar, imagine-se, para que a pega corra bem, para o lado dos forcados, claro. Há no fundo sempre uma solução para que a luta aconteça.

Esta prática ou tradição premeia assim aqueles que mais dificuldades têm, numa demonstração ancestral da máxima que diz que quanto mais forte é o adversário maior é a vitória, e já agora acrescentaria eu, e caso se apliquem as circunstâncias, a derrota (situação que no caso das touradas não acontece mas é tema para anedota popular e conhecida em várias línguas). Vencer ou ser vencido por alguém mais frágil será sempre um desmérito.

É este um princípio da guerra, da luta, da guerrilha, do conflito, que tem como fim o eliminar de um dos adversários e nunca a cooperação. Parece-me bem na tourada. Parece-me menos bem, como estratégia, e mesmo quando eufemísticamente chamamos a algumas situações uma tourada, quando se pretende que de um conflito entre partes nasça algo de positivo para todos.

Confesso que nesta tourada de S. Pedro, onde os Forcados Amadores de Évora aguentaram as pegas todas e com muita bravura, enquanto assistia, pouco atenta, ao desenrolar do espectáculo – um espectáculo que o extinto Ministério da Cultura no relatório final de Julho de 2009 do estudo sobre o sector cultural e criativo em Portugal não inclui directamente, o que me leva a perguntar-me se não estará o toureiro, porque os forcados são amadores, incluído neste sector de actividades, até porque o Regulamento taurino fala-nos de artistas tauromáquicos, mas adiante – dizia eu que enquanto assistia às pegas, me apercebi de que mesmo não morrendo na arena, mesmo quando o sangue no traje do forcado é “só” do touro, todos saem feridos, mas os racionais saem também contentes, permitindo um gozo fátuo mas muito legítimo aos espectadores que pagam para ver, e uma sensação de vitória merecida a quem foi capaz de levar a luta até ao fim.

Fez-me pensar muito esta minha nova maneira de ler as pegas. E só consegui mesmo retirar esse prazer do privilégio de poder, com o exercício dos raciocínios, das lógicas, das associações de ideias e dos simbolismos de bolso, ir construindo visões do meu mundo actual e do relacionamento que tenho tido com tantos. E foi também bom chegar ao fim e continuar a dizer: “The show must go on” o que não é por aí mais além de bonito do que dizer “Olé!”