18.1.12

Segredo de três não é segredo

A propósito das questões da Maçonaria e do desgoverno de nomeações para cargos públicos ligados às Secretas, apeteceu-me falar-vos do segredo. Se há cumplicidade que surge entre as pessoas desde muito cedo é aquela que envolve o segredo. Até entre adultos e crianças é muito comum usar-se o segredo como uma forma de fazer compinchas. O conceito de segredo é dos que se aprende com a prática e não faz parte da educação escolar, mas sim da instrução da e para a vida, onde os mestres são os mais velhos que nos acompanham.

Envolvem-se num segredo dois tipos de pessoas: os que têm intimidade e interesses comuns e aqueles a quem essa intimidade e essa comunhão de interesses incomoda. Há pois, no segredo, rivalidade semelhante à que cresce nas paixões, onde muitas vezes mais do que o que é objeto de segredo, a relação dos que têm entre si o segredo, é invejada e, como tal, motivo de atenção redobrada e energias nela gastas.

Por tudo isto, é que as sociedades secretas se revestem tantas vezes de uma aura misteriosa que fomenta a criatividade, a efabulação, mas também a inveja de não se fazer parte dessa relação mais íntima e fechada que, naturalmente, cria entre os seus pares sentimentos de cumplicidade. Alardear ou renegar a pertença a este tipo de associações pode, a meu ver, ser contratualizado entre os seus membros. Fazer ou não parte delas, aceitar ou não esses contratos, felizmente, é uma opção individual, que é o que me descansa neste caso todo. Não ter de fazer parte de um tipo de associação destas, nem ver-se prejudicado por essa opção de não pertença, julgo que é ainda uma condição do cidadão português contemporâneo. (E lembro-me dos relatos e das fotos da Mocidade Portuguesa como um passado relativamente distante.)

Mas até para que o segredo não quebre o encanto, que julgo haver para quem pertence a tais associações ou grupos fechados, é preciso existir um comportamento que mais do que emanar de princípios comuns ao grupo, releva de uma ética individual que se revela e revelará sempre, mais cedo ou mais tarde, em diferentes situações, ao longo da vida de uma pessoa. Fazer parte de um grupo, a meu ver, até é uma forma desses comportamentos serem filtrados, e o grupo poder servir para afinal educar comportamentos, de acordo com os princípios que defende. Tirando o caso de considerar-se que estas associações são bandos de malfeitores, ou que nalguns casos, como o que parece ser o da Maçonaria que, afinal, se organiza com uma pluralidade razoável, se juntarem os indivíduos numa casa, ou loja para ser mais precisa, “estragando-se” só uma família, a sua existência parece-me perfeitamente inócua para o resto da sociedade.

O que também me parece com este caso é que, como diz o provérbio, o «segredo de três não é segredo» e, por isso, tudo o que diz respeito ao que é público ao público acabará por retornar. Nem me admirava mesmo nada que esta esteja precisamente a ser uma forma de a instituição maçónica andar a limpar e a arrumar a sua própria casa…

Eu acho a Maçonaria, até pelo seu grau de secretismo, uma instituição muitíssimo curiosa e interessante. Admiro os que a ela se dedicam, como muitos outros o fazem em tantos outros lugares de partilha e promoção de valores que contribuem para uma melhor sociedade, apesar de achar que é preciso ter-se feitio para os rituais que, ao que parece, são de refinada complexidade, e eu não tenho. Mas isso é uma questão pessoal que não me distorce a aceitação destas ou outras práticas rituais mais públicas do que as familiares, onde aí, sim, sou grande fã e praticante. Ou os rituais ligados à profissão que, a meu ver, fazem parte de uma deontologia de quem se dá inteiro a um compromisso, de certa forma também público.

Mas do que eu gosto mesmo na Maçonaria e tenho, confesso, uma imagem de pura ilusão que gostava de manter, é do secretismo. Acho fabuloso e gosto de acreditar que, mesmo sabendo-se já muita coisa sobre a organização, essa divulgação seja uma concessão para manter ainda em segredo práticas e rituais que só quem lá está conhece. É que eu respeito o segredo dos outros porque parto do princípio de que os segredos não servem para prejudicar terceiros mas para salvaguardar algo de muito mais valioso: a confiança entre as pessoas. Quando não é isso não é segredo é patifaria. Como diz um texto para crianças escrito por Jorge Listopad, no livro Álbum de Família, em que põe um filho a falar do pai assim: «O meu pai tem um livro de cheques. E não quis dizer-me por quem votou nas eleições. – O voto é secreto, e tu, aprende o segredo! – disse ele.»