27.1.12

Não estou aqui para enganar ninguém

Começamos a perceber, ao fim de quase quatro décadas de democracia, que há um padrão no comportamento de quem assume o poder legitimamente através de eleições. Acho que será contraproducente, em futuras candidaturas, que venham apregoar-se as diferenças naquilo que já é óbvio que permanecerá como prática idêntica, e nalguns casos a meu ver até compreensível. Falo das nomeações para cargos da administração pública ou de empresas de capitais também públicos. E só nestas, porque nas privadas entendam-se os privados e aguentem lá com os jeitos que queiram fazer a estes ou aqueles amigos.

Claro que isto é mais visível quando o governo muda de cor política, mas acontece também quando se mantém o mesmo partido de um executivo para outro, e quando se mudam alguns, ou todos, os responsáveis de certos cargos. Eu não vejo, aliás, mal nenhum nisso, sobretudo porque gosto que um trabalho de governação seja um trabalho de equipa e isso será sempre mais fácil havendo bom relacionamento entre os membros da equipa. E quando falo de bom relacionamento estou a falar de várias coisas, mas acima de tudo de uma: a confiança. Mas também devo dizer que o contrário não me choca. Logo eu que gosto tanto de trabalhar com todos… os que trabalham, claro!

Todos sabemos também que o batismo para aqueles que ocupam cargos de confiança passarem a ter o apelido comum de “boys” começou por ser praticado, como ofensa, aos que foram nomeados em governo do Partido Socialista. Também todos sabemos que a alternativa no governo ao Partido Socialista, alternativa que os anos têm demonstrado ser alternância, é com o PSD/CDS ou só PSD. E mantendo-se a tal prática que podia ganhar o nome de “boys for the jobs” nestas duas circunstâncias, presumo que está na altura de assumirmos que o insulto afinal era constatação de um facto, ou seja não era defeito mas feitio de quem tem de organizar todo um aparelho de governação em função de uma posição política que faça as suas opções de forma concertada e com um rumo comum. Se esse rumo é ou não conseguido e se agrada ou não à maioria dos cidadãos, é assunto a ser escrutinado, no limite, de quatro em quatro anos.

O que é novidade para mim é que nos Partidos que têm sido sempre oposição a nível nacional (mas que têm ainda assim a nível municipal alguma expressão e onde são, por isso, governo), ver que esses Partidos têm também os seus “boys” muito organizados. Pensando bem, também era quase natural que assim acontecesse. A experiência é mesmo fundamental e exige um trabalho intergeracional que permita a consolidação de práticas e saberes.

Dei-me conta deste facto numa sessão de esclarecimento sobre a mudança para a TDT – Televisão Digital Terrestre, iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Évora e da DECO – Defesa do Consumidor, dirigida, sobretudo mas não só, à população sénior do Concelho através das suas associações. E fiquei então a saber que também estes “boys”, tal como os outros, podem ser até gente retirada das funções profissionais, reformados, e voltar ao ativo nesta espécie de cargo. A sessão para esses senhores, acabou por terminar mais cedo por sua livre vontade, porque feita a função de que pareciam estar incumbidos, enquanto “boys” entenda-se e que por isso se chama “boicote”, se retiraram. Foi pena, e os que ficaram perceberam que, de facto, estávamos ali para esclarecer e que as informações sobre as medidas tomadas não tinham nada de aldrabice.

É que com o hábito que vamos criando, às vezes em situações desnecessárias como dizer que vamos ser diferentes e afinal termos de ser iguais, de que «não estou aqui para enganar ninguém» como diz o bom Povo, quando é mesmo para isso que ali estamos e não para enganar alguém, o pessoal desconfia. Desconfia e, neste caso concreto, fez mal. Porque a participação de todos, com todas as dúvidas, pontos de vista e opiniões era e é muito importante, e é muitas vezes assim que o pré-conceito cai e o inevitável se esclarece, explica e se minimizam os seus impactos.