31.1.12

A pobreza não envergonha

Viveram-se na última semana momentos de grande agitação provocada pelas declarações do Presidente da República sobre a sua escassez de rendimentos familiares para cobrir as despesas do dia-a-dia. Insuspeita que sou no desgosto que tenho em ter como Presidente da República o Professor Aníbal Cavaco Silva, confesso aqui que tenho pena do senhor. E não essa pena sarcástica que com algum humor tem circulado pelos ecrãs dos computadores. Porque, vejamos uma coisa, aquilo foi claramente um erro da suposta e previsível equipa de comunicação que o acompanha, ou devia acompanhar, e que não remediou o deslize do senhor. Se calhar até deu jeito a alguns, porque enquanto estão a entregar moedas em Belém não estão a gritar em S. Bento. Mera suposição minha.

Foi, enfim, uma vergonha para um Presidente da República – o cargo da função pública melhor remunerado do País – não ter abordado, sem a isso ser obrigado, o facto de também ele ter sido vítima de cortes e de subida de impostos sem ter usado termos de comparação que envolvessem o conceito de “dificuldade”. Se a pobreza não envergonha, como diz o Povo, já apregoá-la como uma espécie de chantagem moral, nem que seja com termos de equivalência muito forçada ou com eufemismos como dificuldades que passamos, e não como declaração efetiva e comprovada, porque há números e condições que atestam oficialmente quem é pobre de bens materiais… Dizia eu, que estas declarações do PR foram sobretudo de pobreza moral, e essa sim é uma vergonha, ainda que com escala incerta para se medir, e remetendo até os avaliadores para um certo grau de arrogância.

Por outro lado, a onda de indignação que se seguiu à reação de choque face ao disparate – reação a meu ver perfeitamente lógica – essa onda de indignação veio pôr a tónica em algo que não é, nem será nunca, credível em democracia, pedindo-se ao fim de um ano de ter sido eleito a demissão do senhor. Parece-me que estamos mesmo a sofrer, enquanto Povo, de uma síndrome de falta de memória curta, para já não falar da outra. O homem foi eleito pelo Povo, que tem o direito de se expressar pelo voto quando a isso é chamado, e esteve longe de ser candidato único! O homem teve a concorrer consigo um candidato que não representava nenhum Partido político e emergiu da tão atualmente louvada movimentação da sociedade civil, e que perdeu! O homem só tinha menos um ano, era já idoso pois então, e já tinha feito as presumíveis aldrabices que lhe atribuem há um ano atrás! E mesmo assim ganhou! Ou os que votaram nele há um ano atrás já emigraram e nos deixaram a nós, que o combatemos com as armas que tínhamos, sozinhos a assinar petições? Até é sabido por todos os que promovem petições públicas que o Partido de que ele é militante voltou há seis meses ao poder pela cruz do voto popular… Uma espécie de profissão de fé na direita que vem pôr fim ao desvario.

Convencerão alguém estas petições, milenares de assinaturas, de que a democracia está doente e que o uso desta forma de protesto é que é? Eu bem sei que o que se espera de um político é que este resolva situações (grande parte das vezes aquele problemazinho muito meu, mas enfim, dou de barato que as grandes causas ainda movem muitos) e que nunca deixe morrer a esperança de que o caminho é feito para se chegar a melhor lugar. Mas a ilusão do discurso que às vezes se ouve, ou é dado a ouvir, tantas vezes parcialmente, descontextualizado e “cavalgado”, perdoem-me a gíria, por quem está sempre mais preocupado em chamar os holofotes para si do que trazer algum contributo para o Sol que quando nasce devia ser para todos (contando com as sombras as nuvens ou outras imponderáveis meteorológicas), proporcionando tantas vezes o possível e chocando igual número de vezes com o prometido… sem compromisso.
Pois é, um dos grandes problemas é que vamos gostando de ouvir promessas, vamos tentando ignorar alertas e vamos usando a nossa tinta em assinaturas, gastando-a até aos momentos em que nos dão oportunidade de fazermos uma cruz num boletim de voto. E aí sim, somos poderosos, e devíamos por isso ser muitos mais dos que os que são amigos em murais e perfis virtuais. Porque aí, no momento do voto, a cruz do rico vale o mesmo que a cruz do pobre… abençoada democracia!